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Livros trazem o pensamento estético e o teatro de Ariano Suassuna

Nova Fronteira reúne o 'Teatro Completo' do dramaturgo, além de lançar nova edição de 'Iniciação à Estética'

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 04/02/2019 às 11:02
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Nova Fronteira reúne o 'Teatro Completo' do dramaturgo, além de lançar nova edição de 'Iniciação à Estética' - FOTO: Bobby Fabisak/JC Imagem
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A publicação do Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores, obra final de Ariano Suassuna (1927-2014), em 2017, foi o atestado decisivo de algo que já podia ser notado na criação do autor paraibano. Peças, romances, aulas-espetáculo, poemas, ilustrações, enfim, quase tudo que ele foi produziu ao longo da vida buscava de certa forma se interligar, seguir um mesmo projeto estético. Mesmo que deixasse a teoria fora das suas obras, Ariano nunca parou de pensar sua trajetória dentro de um projeto estético – o manifesto do Movimento Armorial é só um exemplo mais claro dessa trajetória.

Professor da UFPE desde 1956, o escritor foi responsável por uma das cadeiras mais disputadas por alunos na instituição: a de Estética. Mesmo quando se tornou um autor famoso nacionalmente, após o sucesso do Auto da Compadecida, Ariano continuou ministrando a disciplina, que atraía alunos tanto pelo prestígio do docente como pela fluidez e clareza com que o assunto era abordado.

O volume Iniciação à Estética foi criado inicialmente como um material para os alunos. A publicação em livro só veio em 1975, depois de anos de aprimoramento do texto pelo próprio Ariano (que ainda acrescentaria seis capítulos posteriormente). Agora, a obra ganhou uma nova edição pela Nova Fronteira, com texto fixado e revisado – também saiu recentemente a luxuosa caixa Teatro Completo de Ariano Suassuna, com todas as peças do autor, incluindo um texto inédito e as traduções.

Ao contrário do restante da obra de Ariano, incluída dentro de um projeto gráfico único, com ilustrações de Manuel Dantas Suassuna e design de Ricardo Gouveia de Melo, Iniciação à Estética faz parte da coleção Biblioteca Áurea. A separação faz sentido. Ao contrário das demais criações do autor, que se harmonizam com o imaginário de Ariano e do armorial, o livro é um trabalho teórico mais sóbrio: como o próprio dramaturgo define, “uma espécie de prestação de contas” do período na UFPE.

“O livro é uma extensão do trabalho dele como professor. As aulas-espetáculos já são outra faceta disso. A docência era algo muito forte nele: ele sabia se comunicar muito bem, falava para público heterogêneo”, conta o professor e pesquisador Carlos Newton Júnior, responsável por organizar a obra de Ariano. “Como todo curso, esse é um recorte, mas ele passa pelos marcos fundamentais, fala de Platão, Aristóteles, o subjetivismo estético. E vai tecendo os seus comentários e se posicionando.”

Apesar de dar espaço para outras visões, Ariano se definia como realista e objetivista, ou seja, alguém que acredita que a beleza é uma propriedade do objeto, e não parte de um processo de construção intelectual do receptor. Assim, para ele, a estética era mais a observação das qualidades de uma obra do que qualquer subjetivismo do leitor ou espectador – vem daí a origem do seu posicionamento contrário a alguns movimentos artísticos e à cultura de massa.

Além disso, Ariano traz no livro uma expansão dos conceitos estéticos, indo além da ideia de beleza. Para Carlos Newton, as reflexões mais originais são “aquelas que resultam numa concepção mais lúcida e democrática da beleza e, consequentemente, numa compreensão mais abrangente e generosa de manifestações artísticas ligadas a culturas tradicionalmente identificadas, no pensamento ocidental, como ‘exóticas’ ou ‘primitivas’”. “Ariano abre espaço para uma arte mais relacionada ao primitivo, à arte popular, ao não erudito que não é contemplado pelos cânones ocidentais”, aponta.

Também em Iniciação à Estética, temos um Ariano que cita diversas vezes livros como Retrato do Artista Quando Jovem, de James Joyce, e Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrell. “Ele era um grande leitor. Além disso, essa visão de um Ariano xenófobo não é real, ele gostava muito também de Herman Melville, por exemplo. Sua posição é contra a cultura de massa, não contra a cultura norte-americana”, conta o pesquisador.

Outro ponto do livro é que o dramaturgo não traz reflexões racionais e frias, mas sim “ensolaradas, povoadas de imagens concretas e fortes, coloridas, brilhantes, às vezes cheias de graça”. Para Carlos Newton, a obra é também uma forma de mostrar a inquietude estética com um traço da obra de Ariano, “alguém que, ao refletir sobre a beleza e a arte, fez dessa reflexão ponto de partida para a criação, no campo literário, de uma obra múltipla e de qualidade superior”.

O TEATRO

Se Iniciação à Estética ajuda a revelar de certa forma o planejamento de uma obra interligada, os quatro volumes que compõem o Teatro Completo, de Ariano Suassuna (Nova Fronteira) mostram a coerência e a complexidade dessa obra. A caixa, organizada também por Carlos Newton, apresenta uma produção dramatúrgica ainda mais profunda que as comédias que consagraram o autor.

Dividida entre comédias, tragédias, entremezes e traduções, a publicação traz textos introdutórios de Carlos Newton, Braulio Tavares, Luís Reis, Idelette Muzart Fonseca dos Santos e Alexei Bueno. Várias peças são pouco conhecidas, como as versões do escritor para Antígona de Sófocles, A Panela, de Plauto, e As Trapaças de Escapim, de Molière. O grande destaque, no entanto, é a inédita As Conchambranças de Quaderna, de 1987.

Carlos Newton ressalta que, ao contrário da obra em prosa de Ariano, que pertence a um período mais tardio e tomava muito tempo do autor, a produção teatral é mais concentrada no início da sua trajetória, refletindo também uma produtividade maior. “Suassuna escrevia para teatro com grande facilidade, de modo que mesmo suas peças mais extensas foram concluídas em poucos meses de trabalho. Influíram para isso, certamente, o domínio absoluto do tempo do diálogo e a destreza no manejo da carpintaria teatral, qualidades já ressaltadas pela crítica e adquiridas tanto pela leitura dos clássicos da dramaturgia universal quanto pela convivência habitual com os espetáculos populares do Nordeste”, escreve o pesquisador na apresentação da obra.

Só dois textos foram concluídos após 1961. A grande quantidade de peças escritas, explica Carlos Newton, tem relação com a popularidade adquirida após o sucesso nacional do Auto da Compadecida, com a montagem de 1957. “Ele começou a receber encomendas e não poderia demorar anos para terminá-las. Como era muito perfeccionista, ia depois burilando, transformando os textos. Existem diferenças entre versões encenadas e o que foi publicado: Ariano cortou personagens, por exemplo, de O Casamento Suspeitoso (1957)”, explica.

Teatro Completo traz a obra de Ariano separada por gêneros, não por cronologia, uma opção para dar uma visão mais geral das peças. Boa parte do trabalho esteve no estabelecimento do texto final das peças, que foram sendo alteradas com o tempo, algumas com mudanças à mão. Auto da Compadecida, no entanto, só foi modificada quando completou 50 anos, burilada para tirar repetições e expressões datadas.

Carlos Newton defende que Ariano buscou um teatro erudito, mas com raízes populares: “um teatro não realista, mas poético; um teatro comprometido com os problemas fundamentais do homem, mas jamais engajado ou panfletário, seja do ponto de vista político, filosófico, seja do ponto de vista religioso”.

A fluidez dessa produção não é por acaso. Segundo Braulio Tavares, “as vastas e variadas leituras de Ariano nunca apagaram esse impulso oral, falador, que movimenta não somente seu teatro mas também a sua prosa de ficção”. Para Carlos Newton, os diálogos são um dos elementos mais importantes na literatura de Ariano. “Mais da metade d’O Romance de Pedra do Reino é um diálogo. Dom Pantero é quase todo diálogo. O dramaturgo sempre esteve presente. É uma marca”, comenta. A busca posterior por escrever mais prosa, para o pesquisador, surgiu da necessidade de criar obras mais longas – as peças costumam ser limitadas por conta da duração que uma montagem pode ter.

Além das comédias, mais conhecidas e encenadas, o volume mostra o valor de outros aspectos do autor. “Os entremezes, mais curtos, são experiências que depois ele traz para peças maiores. Sobre o teatro traduzido, vale lembrar que ele foi diretor no começo da carreira, com grupo de estudantes e operários. Essas traduções têm uma preocupação mais dramatúrgica do que filológica, ou seja, não buscam a fidelidade ao texto original, mas sim uma adaptação para aquilo funcionar no palco”, avalia Carlos Newton.

Após a publicação de Teatro Completo, o cerne da obra de Ariano agora está em catálogo pela Nova Fronteira. Da prosa, falta apenas o inédito O Sedutor do Sertão (1966), uma ficção mais curta, semelhante em dimensão ao livro A História do Amor de Fernando e Isaura. Carlos Newton ainda revela outras possibilidades, ainda em fase de organização, como uma parte d’O Romance da Pedra do Reino que foi apenas publicada em jornais e a poesia de Ariano. Atualmente, ele trabalha com os textos do dramaturgo sobre as artes plásticas, tanto em jornais como em catálogos.

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