Ocupar e resistir talvez tenham sido dois dos verbos mais proferidos nos últimos anos. Julián Fuks, no entanto, os prefere menos intransitivos. Após o relato extremamente pessoal do livro que lhe rendeu os prêmios Jabuti na categoria Romance em 2016 e José Saramago em 2017, A Resistência, o escritor paulista continua a produzir uma literatura autoficional e política, agora com A Ocupação (Cia das Letras, 134 pgs, R$ 34,90).
Apesar de permanecer compartilhando muito de si através do alter ego Sebastián - assim como Phillip Roth tanto fez com seu Nathan Zuckerman -, Julián envolve agora o leitor em uma trama em que histórias familiares e questões urbanas se mesclam num vai e vem hipnotizante. Nesta tríade, acompanhamos, capítulo por capítulo, os anseios deste escritor em relação à hospitalização do pai, à repentina decisão de sua esposa de engravidar após dez anos de relacionamento e ao dia a dia de uma ocupação no centro de São Paulo. Diante dos dilemas familiares, assumir a responsabilidade de contar as histórias dos moradores do Hotel Cambridge se torna um motivo para a fuga.
Desterro também dos que não foram
Desterro é a palavra-chave desta narrativa, em seus sentidos literais e metafóricos. Logo no início da obra, acontece o encontro de Sebastián com a ruína de um homem, aquilo que já se apresenta muito distante dos seus melhores dias. Em seguida, a convite do sírio Najati, tem o choque da derrocada do que já foi um hotel importante, a ruína do Cambridge que, entre muitas paredes descascadas, habitam tantas vidas invisibilizadas, “refugiados em país próprios e estrangeiros”, como bem define a líder Carmem.
A partir da metade do livro, começamos a conhecer os outros personagens do movimento: a brasileira Rosa, o peruano Demétrio, a haitiana Gina. De forma íntima e nessa linha tênue que é a autoficção, o autor nos convida a adentrar sua casa e em memórias. É curioso mas também muito bom permanecer na dúvida do que foi inventado e o que realmente aconteceu naquele ano de 2016.
“Ocupar, nem que fosse para estar muitos, para existir mais uma vez em coletivo. Meu imperativo talvez fosse outro, embora impossível: me fazer praça, me fazer rua, me fazer prédio vazio, e que enfim me ocupasse o incontível da vida”, desabafa em determinado momento Sebastián. Não, Julián.