O acervo do maestro e compositor Claudio Santoro, que morreu em 1989, está guardado em caixas e pastas embaixo do sofá, do piano em que ele trabalhou e em armários na casa da viúva, a coreógrafa e musicista Gisèle Santoro. O acervo é composto de mais de 400 obras musicais, como partituras de sinfonias, quadros pintados por Santoro, correspondências, publicações sobre a carreira dele e prêmios. Gisèle está preocupada com o destino do acervo, que é mantido em seu apartamento sem as condições adequadas de conservação.
Leia Também
“O acervo está em dificuldades porque permanece na minha casa, que não tem as condições de conservação ideais, de temperatura e umidade. Está apenas mantido aqui, sendo que algumas coisas correm o risco de se perder, como toda a produção eletroacústica, feita diretamente em fita magnética que, com o tempo, se deteriora, vai perdendo a informação nela gravada. Os manuscritos estão dentro dos armários e também correm o risco de se perder porque muitos foram feitos a lápis. Além disso, a obra fica de difícil acesso para pesquisadores e músicos”, disse Gisèle, de 75 anos.
A situação, porém, deve começar a mudar em breve. A superintendente do Arquivo Público do Distrito Federal, Marta Célia Bezerra Vale, informou que o órgão vai iniciar um processo para declarar o acervo de interesse público e social.
“A previsão é que a gente possa iniciar [o processo] em março. Isso significa fazer um inventário preliminar do que tem e um histórico da personalidade para mostrar a relevância dele, tanto em nível local quanto nacional”, disse Marta.
Ela explicou que o passo seguinte é enviar a documentação para análise da Procuradoria-Geral do DF, para a assessoria jurídica do governador e para o Conselho Nacional de Arquivos, vinculado ao Ministério da Justiça. Se esses órgãos derem parecer favorável, os governos estadual e federal podem emitir a declaração de interesse público e social. “Com a declaração, o dono do acervo consegue recursos por meio das leis de fomento à cultura, inclusive para ajudar na organização desse acervo”, acrescentou Marta.
A obra musical e pictórica do maestro foi tombada como patrimônio imaterial pelo governo do Distrito Federal em 2009. Gisèle explicou que, na prática, esse tombamento não resolve o problema, já que sem a declaração de que a obra tem interesse público não é possível destinar verbas para a conservação e a organização do acervo.
Umas das possibilidades defendidas pela família é que o material seja abrigado em um espaço constituído como o Memorial Claudio Santoro. “Acho que seria muito justo, visto que ele dedicou a vida, depois que conheceu Brasília, a esta cidade. No Brasil, a memória tem muito pouco valor, é muito pouco preservada. O patrimônio material ainda é preservado, mas o patrimônio imaterial fica nas mãos de Deus. Você conhece Beethoven e sabe o que é a Alemanha. O patrimônio imaterial representa um povo, o grau de civilização e cultura que atingiu.”
Embora fosse amazonense de nascimento e tivesse vivido fora do país, o maestro se considerava brasiliense por opção. Ele chegou à cidade no início da década de 60 para ajudar a fundar o Departamento de Música da Universidade de Brasília (UnB).
O vínculo com a capital federal foi reforçado quando, após dez anos de exílio na Alemanha durante o governo militar, decidiu retornar ao país e escolheu Brasília para viver. Ele fundou e passou a reger a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional em 1979, até sua morte, em 27 de março de 1989, aos 69 anos. O maestro teve um infarto quando regia o ensaio geral do primeiro concerto da temporada.
Cláudio Cohen, maestro titular da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, conta que teve a oportunidade de trabalhar com ele desde o primeiro ensaio da orquestra. “Foi uma oportunidade rara de conviver com um grande nome. É um gênio da música brasileira. Ele está no rol dos grandes compositores nacionais, como Carlos Gomes e Villa-Lobos. Eles representam internacionalmente a qualidade artística do Brasil”.
Segundo Cohen, Santoro pesquisou muito a música nacional. “Temos uma fase dele, nacionalista, que é muito importante e traduz os nossos ritmos. Ele viveu muito tempo fora do Brasil e a sua formação é muito sólida. O fato de experimentar as diversas correntes da música, como o dodecafonismo, uma forma inusitada de fazer música por meio de uma série de 12 tons escolhidos, quase uma fórmula matemática, passando pela música eletrônica, e também o nacionalismo, criou um universo de formação do maestro em que pôde ter uma experiência muito grande com a música. Ele soube explorar isso em suas 14 sinfonias.”