Polêmica

Caetano defende Palestina como Estado soberano, mas descarta cancelar show em Israel

Brasileiro recebeu duas cartas pedindo para que cancelasse o show em Israel

Da Folhapress
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Publicado em 23/06/2015 às 12:05
Foto: CHRISTOPHE SIMON / AFP
Brasileiro recebeu duas cartas pedindo para que cancelasse o show em Israel - FOTO: Foto: CHRISTOPHE SIMON / AFP
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Após duas cartas do ex-Pink Floyd Roger Waters e uma do arcebispo e Nobel da Paz Desmond Tutu, Caetano Veloso respondeu aos pedidos para que cancele seu show com Gilberto Gil em Israel, marcado para 28 de julho. O cantor agradeceu "pela atenção e o esforço" dedicados para lhe esclarecer sobre a política na região, mas afirmou que não cancelará a apresentação.

"Eu nunca cancelaria um show para dizer que sou basicamente contra um país, a não ser que eu estivesse realmente e de todo coração contra ele. O que não é o caso", escreveu. A carta foi publicada na coluna de Ancelmo Gois, no jornal "O Globo". "Eu gostaria de ver a Palestina e Israel como dois Estados soberanos (...) Às vezes, eu penso que é contraproducente isolar Israel. Isto é, se se está buscando a paz."

Waters havia escrito uma carta a Caetano e Gil em 22 de maio. "Vocês são um foco de luz para o resto do mundo", escreveu, em carta encaminhada à Folha de S.Paulo pela BDS (sigla para "boicote, desinvestimento e sanções"), um movimento global com estratégias que buscam pressionar Israel pelo fim da ocupação de territórios palestinos.

Na ocasião, a dupla já havia se negado a abrir mão do show.

Em uma segunda carta, Roger Waters afirmou: "No mês passado eu escrevi para Caetano e Gil e não recebi nenhuma resposta, mas suponho que eles irão cruzar a linha do piquete e tocar em Tel Aviv. Que seja".

Alguns dias depois, ao jornal "O Estado de S.Paulo", Gil disse que cantaria para "um Israel palestino".

Na semana passada, foi a vez de Desmond Tutu: "Eu rogo a vocês que cancelem sua apresentação em Israel até o momento em que reine a liberdade e sua música não possa ser explorada por um regime opressivo para encobrir e perpetuar a opressão".

Na correspondência a Roger Waters, Caetano diz responder também a Desmond Tutu.

LEIA A CARTA DE CAETANO VELOSO NA ÍNTEGRA

"Querido Roger,

Há cerca de um mês recebemos sua carta através de Pedro Charbel, um jovem brasileiro que faz parte do movimento BDS. Pedro veio à minha casa, onde ele nos conheceu, a Gil e a mim -junto com nossas empresárias-, acompanhado de uma jovem brasileiro-israelense, Iara Haasz, uma judia (que também está com o BDS) para pedir que cancelássemos o show, em Tel Aviv, no próximo mês. Antes disso, nós recebemos a carta de um importante militante dos direitos humanos no Brasil com o mesmo pedido.

Hoje nós recebemos outra, desta vez do próprio Desmond Tutu (ele foi citado na sua e em todas as outraa cartas e mensagens que recebemos sobre o assunto). Tentarei responder a ele também.

Quando a África do Sul estava sob o regime do apartheid, e eu soube que artistas estavam se recusando a tocar lá, concordei como que automaticamente com tal decisão.

A complicada situação no Oriente Médio não me mostra o mesmo tipo de imagem preto-no-branco que o racismo oficial, aberto, da África do Sul me mostrava então. Eu disse a Charbel como me sentia a respeito.

Ele pareceu achar, como você, difícil de acreditar que pessoas como Gil e eu não fôssemos recusar o convite dos produtores e do público que Israel (o show está esgotado) depois de ouvir o que ele tinha para nos contar sobre aspectos realmente sombrios da relação Israel-Palestina.

Eu preciso lhe dizer, como disse a ele, como meu coração é fortemente contra a posição de direita arrogante do governo israelense. Eu odeio a política de ocupação, as decisões desumanas que Israel tomou naquilo que Netanyahu nos diz ser sua autodefesa. E acho que a maioria dos israelenses que se interessam por nossa música tende a reagir de forma similar à política de seu país.

Aqui reproduzo o que disse a um jornalista brasileiro que me questionou como eu responderia ao pedido de cancelamento em uma curta sentença: Eu cantei nos Estados Unidos durante o governo Bush e isso não significava que eu aprovasse a invasão do Iraque. Escrevi e gravei uma música que se opunha à política que levou à prisão de Guantánamo -e a cantei em Nova York e Los Angeles. Eu quero aprender mais sobre o que está acontecendo em Israel agora. Eu nunca cancelaria um show para dizer que sou basicamente contra um país, a não ser que eu estivesse realmente e de todo o meu coração contra ele. O que não é o caso. Eu me lembro que Israel foi um lugar de esperança. Sartre e Simone de Beuvoir morreram pró-Israel.

Gilberto Gil contou-me já ter sido aconselhado a cancelar shows em Israel antes, mas que ele se recusou a fazê-lo, mesmo após os terríveis acontecimentos de julho de 2014. Quanto a mim, eu gostaria de ver a Palestina e Israel como dois Estados soberanos. E entendo que Israel precisa escutar as reações que chegam do exterior. As Nações Unidas, muitos governos, e até artistas, como você, mostram os riscos de Israel ficar cada vez mais isolado, caso siga com suas políticas reacionárias. Às vezes, eu penso que é contraproducente isolar Israel. Isto é, se está buscando a paz. Tenho muitas dúvidas sobre tema tão complexo.

Charbel sabe quantos problemas de produção teríamos no caso de cancelamento de um show que já foi anunciado e completamente vendido. Mas eu desistiria alegremente de tudo se estivesse seguro que essa é a coisa certa a fazer. Devo pensar por mim mesmo, cometer meus próprios erros. Eu te agradeço -e a muitos outros- pela atenção e o esforço dedicados a me esclarecer sobre a política naquela região. Sempre falarei a verdade de meus pensamentos e sentimentos, e se eu fosse cancelar esse show apenas para agradar pessoas que admiro, eu não seria livre para tomar minhas próprias decisões. Eu vou cantar em Israel e prestar atenção ao que está acontecendo lá.

Netanyahu não ganhou fácil a última eleição. Acho que o fato de eu cantar lá é neutro para a política do país, mas se minhas canções, voz ou mera presença puderem ajudar os israelenses que não concordam com a opressão e a injustiça -em uma palavra, a se sentirem mais longe de votar em alguém como ele- eu estarei feliz."

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