JOÃO DONATO

João Donato se junta à nova geração da MPB e retoma fase fase elétrica

'Donato Elétrico', novo álbum do pianista acreano, remete à fase setentista de jazz e funk

GGabriel Albuquerque
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GGabriel Albuquerque
Publicado em 23/03/2016 às 7:47
Foto: Caroline Bittencourt/ Divulgação
'Donato Elétrico', novo álbum do pianista acreano, remete à fase setentista de jazz e funk - FOTO: Foto: Caroline Bittencourt/ Divulgação
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Donato Elétrico, o novo disco de João Donato, começou a ser gestado após uma visita do produtor paulista Ronaldo Evangelista à casa do pianista acreano na Urca, bairro do Rio de Janeiro, em 2013. 

“Começamos a conversar sobre a ideia de produzir um novo disco. Quando João comentou que o que mais gostaria seria lançar músicas novas, o plano estava formado: gravaríamos um álbum inédito, à moda de seus LPs dos anos 70 como A Bad Donato e Donato/Deodato”, explica Ronaldo no texto de apresentação do trabalho. 

Donato, então, juntou-se à artistas da cena contemporânea e que carregam influências de seu trabalho. A sua banda de apoio é uma seleção formada por integrantes da banda de afrobeat Bixiga 70 mais músicos que tocam com Céu, Metá Metá, Curumin, Passo Torto, Tulipa Ruiz, Anelis Assumpção, Otis Trio. Aos poucos, com sua serenidade zen, foi conhecendo os novos companheiros nas sessões em diferentes estúdios de São Paulo, sempre embalados pelo soul, funk e música afro e latina. No caminho, fizeram no Sesc Pinheiros o show de lançamento de Quem é Quem?, álbum de 1973 e ao qual o novo Donato Elétrico remete diretamente.

Hoje, Quem é Quem? é considerado um clássico nacional, sendo listado entre os 100 maiores álbuns brasileiros segundo a revista Billboard. Entretanto, na época em que foi gravado, o disco foi negligenciado pela gravadora Odeon. Não houve divulgação nem lançamento para imprensa – nos shows no Sesc, Donato contou como contornou o problema: chamou a TV Globo para a Igreja da Glória, no Rio de Janeiro, e jogou vários vinis do alto do Morro da Glória. 

Aquele álbum marcou a volta de Donato ao Brasil depois de dez anos morando nos Estados Unidos, onde fez contato com as misturas entre jazz, rock, funk, soul, música latina promovidas pelo jazz fusion. Um dos retratos mais simbólicos daquele momento é A Bad Donato (1970), disco influenciado pela psicodelia de Bitches Brew, trabalho de Miles Davis. Ron Carter, baixista da banda de Miles, inclusive, toca no álbum. 

É esta fase elétrica – pouco conhecida, mas nunca esquecida – que Donato resgata agora, aos 81 anos, sob o frescor que a companhia de uma nova geração traz. Ele deixa de lado o piano acústico e se equipa com um arsenal pesado de teclas: piano elétrico Fender Rhodes, órgão Farfisa, Clavinet Hohner e sintetizadores Moog e Pro-One. Tudo gravado ao vivo, com instrumentos antigos e gravação analógica em fita.

O astral das sessões se reflete no balanço suave dos temas instrumentais e na fluência natural entre os instrumentistas. Tartaruga lembra os climas de Isaac Hayes e do soul da Stax. G8 cresce vagarosamente com solos de guitarra e floreios percussivos. Enquanto Here’s JD, que abre o álbum, já evidencia a simbiose dos músicos nos diálogos entre sopro, teclas e percussão.

LATINO

Em 1959, durante a fase inicial da bossa nova (ano de lançamento do disco Chega de Saudade), João Donato acidentalmente foi morar em Los Angeles. “Eu fui pra passar quatro semanas a convite do Nanai, que havia sido integrante do conjunto Os Namorados, que nós tínhamos aqui no Brasil. Nanai foi parar nos Estados Unidos, estava lá com o pessoal da Carmen Miranda, o Bando da Lua. Me convidaram para fazer quatro semanas, eu, Nanai, um panamenho e uma moça que tocava maraca, num cassino em Lake Tahoe. Acabei ficando três anos”, revelou o pianista em entrevista à TV Brasil

“Terminou as quatro semanas, eu falei: ‘bem, agora vou voltar pro Brasil’. O Nanai disse: ‘Não pode! Temos que pagar a passagem que eu mandei pra você vir! Aquela passagem eu comprei à prestação, primeiro temos que pagar’”, conta Donato. Na sequência, o amigo Nanai seguiu com o Bando da Lua para uma temporada de shows em Las Vegas. Apesar de ser recém-chegado, Donato já trazia a influência das novas músicas de Tom Jobim, João Gilberto e Johnny Alf e foi então considerado “muito americanizado”, ficando de fora dos shows em Vegas. 

Estrangeiro e sem amigos, teve de correr atrás de emprego. Apaixonado pelo jazz bebop, acabou indo parar nas orquestras latinas. “As pessoas acham que nos Estados Unidos tem muito jazz, como acham que aqui no Brasil tem muita bossa nova, mas não tem. Os músicos de jazz estão todos nas orquestras latinas”, afirma. Dessa maneira, Donato trabalhou com os grandes músicos latinos do momento, o panteão do mambo: Tito Puente, Machito, Ed Palmieri, Carl Tjader, Mongo Santamaria, Perez Prado.

A experiência desdobrou-se não apenas na sua música da época como segue presente até hoje. Donato Elétrico ressalta essa influência constantemente ao longo de seus 46 minutos. O ponto mais destacado é a cadência dos metais e o ritmo gingado do Fender Rhodes em Xaxado de Hércules.

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