O ar de encontro entre velhos conhecidos era fácil de notar desde a entrada. Jovens e experientes cabelos brancos dividiam espaço com chapéus de palha e camisetas estampando o rosto de Chico Science. Na noite deste sábado (7), o Clube Português do Recife virou um recorte do que foi a cidade nos anos 1990 para dar espaço a uma dupla comemoração: duas décadas de Afrociberdelia, segundo disco de Chico Science & Nação Zumbi, e o meio século de nascimento do mangueboy que o concebeu.
Leia Também
Antes dos primeiros acordes soarem do palco, muitos se juntaram no telão montado em frente a ele para assistir ao documentário Chico Science - Caranguejo Elétrico. É nele em que Jorge Du Peixe confessa um sonho recente no qual Science aparece como se avisasse que estará sempre por aqui.
"Eu brincava o Carnaval de Olinda quando veio a notícia da morte de Chico. Era uma criança de três anos, mas lembro da tristeza pegando todo mundo", contou Lucas Macedo, 22 anos. O professor de Educação Física é um dos que não viram a performance do ex-líder no palco, mas o celebra mesmo assim.
Houve também quem passasse o saudosismo para a nova geração. O professor Alexandre Viana, 49 anos, foi acompanhado do filho Matheus Levy, de 21. "A Nação deu conta do recado em continuar a carreira, mas a viuvez de fã não passa. Chico parecia ser eterno", afirmou o pai.
Trincheira da Fuloresta foi uma das primeiras músicas cantadas por Siba, já depois da meia noite. Com "Cheguei, meu sangue está quente/Zumbindo igualmente cavalo do cão" ele começou o passeio entre passado e presente que se estendeu até o fim. Seu trabalho mais recente, De Baile Solto, foi quem dominou a setlist, sem deixar, no entanto, as antigas de fora.
Uma grande roda de ciranda se formou entre o público que cantou muitas na ponta da língua. O músico aproveitou o espaço para fazer referência ao momento político nacional, pedindo que não se perca a capacidade de dialogar com as diferenças. O discurso foi seguido por gritos de "Não vai ter golpe", vindos da plateia.
Quando as notas da guitarra de Lucio Maia já podiam ser ouvidas com as cortinas ainda baixas, a multidão que tomava a casa se apertou ainda mais contra a grade de proteção. Mateus Enter, Cidadão do Mundo e Etnia foram tocadas numa tacada só, cantadas aos gritos pelos caranguejos espertos da Manguetown.
Com os dedos pingando suor desde o início da apresentação, Lucio puxou o hino do Santa Cruz, time do coração de Chico Science, ganhando aplausos calorosos. O ponto alto, como o baixista Dengue havia adiantado em entrevista ao JC, foram as músicas pouco tocadas desde o lançamento de Afrociberdelia. Para uma delas, a instrumental Baião Ambiental, a rabeca de Siba fez as vezes de guitarra. "Deveríamos ter começado essa turnê por aqui", disparou Jorge Du Peixe.
Depois de completar o repertório previsto, a banda voltou para o bis, com Defeito Perfeito e Foi de Amor, duas músicas do trabalho mais recente, Nação Zumbi (2014). Quando a Maré Encher (do Rádio S.Amb.A, 2000) botou todo mundo para pular, com direito a cerveja para o alto e muita gente se abraçando. Uma noite com fãs e banda empolgados, nas palavras de Du Peixe "apenas o primeiro capítulo do que está por vir".