Erotica, o quinto álbum de estúdio de Madonna, não costuma receber o crédito que merece. Lançado em 1992, enquanto o mundo ainda vivia sob o pavor da crise da Aids, o disco se apresentava como uma trincheira de resistência contra o conservadorismo. Enquanto o sexo era tratado como motivo de vergonha e discriminação – principalmente o que desviava dos padrões heteronormativos –, a artista assumiu uma ousada posição em prol da comunidade LGBT.
Maior artista feminina da época, Madonna assumiu a dianteira do pop não só em termos de dominação musical, mas também de pautar discussões urgentes e necessárias. Quando lançou Erotica, a americana já era persona non grata de setores tradicionais, inclusive o Vaticano. O vídeo de Justify My Love (1990), proibido pela MTV por seu conteúdo sexual, reúne elementos que seriam explorados a fundo no disco.
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Junto ao álbum, Madonna lançou o Sex, livro com imagens eróticas e textos que exploravam fantasias sexuais e fetiches considerados tabus, como bondage e sadomasoquismo. Sua intenção era atiçar a caretice da sociedade – e conseguiu. A cantora sofreu todo tipo de ataque, que questionava (para não dizer, massacrava) sua integridade pessoal e artística. No entanto, 25 anos depois, Erotica continua potente. Há algo de subversivo no disco que não se perde. Talvez porque, apesar de tantos avanços, nossa sociedade não esteja tão distante daquela em que o disco foi lançado.
DESEJOS SEM REMORÇO
O álbum conceito, no qual incorpora o alter-ego de Mistress Dita, propõe um reposicionamento do olhar: sai a visão masculina, o desejo pautado pelo falo, e entra o discurso feminino. A sonoridade, como os temas, não é “limpa”. Erotica, canção que abre o disco, dialoga com Justify My Love, com Madonna explorando o papel de dominatrix e utilizando uma técnica próxima da declamação.
É interessante perceber que, apesar de permeado pelo sexo, Erotica é um disco sobre relações e o intricado jogo que envolve as trocas – sejam afetivas ou sexuais – entre indivíduos. A satisfação sexual feminina é tema de Where Life Begins; Deeper and Deeper, uma das melhores da carreira da Rainha do Pop, fala sobre desejos incontroláveis, podendo ser lida, também, como uma “saída do armário”. In This Life é uma faixa sobre luto (e também celebração) para os amigos falecidos em decorrência da Aids. Outros destaques do disco incluem Bye Bye Baby, Bad Girl, Thief of Hearts e Rain.
O projeto não poderia ser mais ousado. Aliás, desde então, nenhum outro artista pop conseguiu fazer algo semelhante. Estamos falando de uma tentativa de desmistificação da sexualidade, de um manifesto pró-LGBTs em um momento em que a Aids ainda era visto como um “câncer gay”. Madonna tinha ciência do preço da empreitada e, para a nossa sorte, bancou pagar por ele.