Até pouco tempo atrás, Luísa Sonza vivia em uma espécie de encruzilhada artística. Seus lançamentos eram sempre comparados aos de outras artistas do pop nacional e apontados como genéricos. O fato de ser casada com Whindersson Nunes, um dos humoristas mais bem-sucedidos do País, também era uma espécie de revés, com muitos associando suas conquistas à fama do marido. No entanto, recentemente, as coisas começaram a mudar e a carreira da cantora toma um rumo interessante, consolidado com o lançamento de seu primeiro disco, Pandora (Universal).
Com apenas 20 anos, Luísa já se dedica à música desde a infância e integrou por anos uma banda com a qual se apresentava em casamentos e feiras (ela entrou no grupo aos 7 anos). Seus vídeos no Youtube, alguns deles com covers de canções famosas, também já acumulavam boas visualizações, mas o início da relação com Whindersson Nunes trouxe uma outra dimensão de visibilidade nacional – positiva e negativamente.
“Tenho uma carreira e um público há muito tempo, mas a partir do momento em que engatei uma relação com uma pessoa muito famosa, automaticamente fui vinculada e a mulher, geralmente, quando é conhecida e é conhecida com alguém mais conhecido, parece que a história dela some. Vi como um desafio”, explicou ao canal Grandes Nomes da Propaganda.
A resistência do grande público à artista era um fenômeno que já chamava a atenção de alguns observadores do pop há algum tempo. No Youtube, há um vídeo com mais de 660 mil acessos tentando entender as razões do “ódio” a ela. Acusações de falta de personalidade e mudança drástica no som e na imagem – Até então, Luísa era conhecida por canções românticas, muitas delas covers – estariam entre as principais razões.
Para entender como a percepção do público em relação a Luísa pode ter começado a mudar, é importante voltar para setembro do ano passado, pouco antes do primeiro turno da eleição presidencial. A cantora gaúcha já havia embarcado em um avião, quando soube que o então candidato Jair Bolsonaro estaria no mesmo voo. Ela e um grupo de passageiros deixaram a aeronave em protesto. Era um momento de polarização política e com poucas exceções, como Pabllo Vittar, as cantoras mais populares do País, como Anitta, Ludmilla e Ivete Sangalo, não se posicionavam contra as pautas conservadoras e que feriam os direitos das minorias. Menos de uma semana depois, Luísa cantou na Parada da Diversidade do Rio de Janeiro sem cobrar cachê.
No início do ano, a cantora, que tem mais de 13 milhões de seguidores no Instagram, foi vítima do vazamento de uma foto íntima e respondeu com altivez, dizendo que os criminosos não a intimidariam. “Que bom que aconteceu comigo porque tenho maturidade para lidar com isso. No interior, isso acontece e acaba com a vida das meninas. Conheci meninas que se suicidaram, tiveram que trocar de escola. Tenho uma voz, com milhões de pessoas que me acompanham. Óbvio que isso marcou, deixou cicatrizes, só que eu não quis dar importância a esse tipo de coisa porque eu quero que essas meninas continuem as vidas delas, não acabem se matando por conta disso; que não afete a vida delas”, explicou recentemente em entrevista a Pedro Bial.
PANDORA
Ao mesmo tempo em que deixava suas posições políticas bem demarcadas, Luísa lançava músicas mais agitadas e comerciais, como Devagarinho, Nunca Foi Sorte, Boa Menina e Pior Que Possa Imaginar, que começaram a conquistar o público. Essas canções pavimentaram o caminho para Pandora, que chegou às plataformas de streaming fazendo barulho, tornando-se o disco de estreia com maior número de reproduções nas primeiras 24h (1,6 milhões).
Pandora, de fato, soa como um projeto de alguém que já não precisa mais justificar sua presença no jogo dos tronos do pop nacional. Com confiança, ela abraça as tendências musicais sem que isso soe como demérito – e o Brasil tem se destacado a nível mundial por produzir hits que, na era do streaming, começam a ocupar espaço em outros territórios.
Segundo a artista, sua intenção era produzir um disco com “vulnerabilidade, mas também (música) farofa”. Em entrevistas, Luísa afirma ser muito fechada e que a forma como se abriu nesse trabalho a assustava.
Eliane, faixa que abre o disco, é uma homenagem à mãe da artista e ressalta as nuances de sua voz. Apenas Eu também explora a potência da interpretação de Luísa, com uma letra com tons de autoajuda e inspiração na música gospel americana. Nessas canções, ela tenta pôr em prática o exercício de mostrar ao público outros aspectos de sua personalidade. Apesar de serem canções com melodias e interpretações interessantes, as composições não chegam a atravessar a superfície. Nesse sentido, talvez o ouvinte tenha mais possibilidade de conhecer detalhes sobre o universo emocional da artista acompanhando suas redes sociais, onde é muito ativa.
Esse, aliás, parece ser um dilema do cenário pop contemporâneo, no qual a superexposição em plataformas como Instagram e Twitter criam uma sensação (às vezes falsa, em outras certeiras, inclusive pelos atos falhos e as respostas no calor do momento) de aproximação da realidade dos famosos.
A mediação que antes acontecia através das narrativas das músicas, com cada CD pontuando um momento da vida que revelaria um pouco mais sobre o até então misterioso universo dos ídolos, praticamente desapareceu. São poucas as exceções a esta regra, como Beyoncé, que controla a narrativa sobre sua vida com punhos de ferro e constrói a percepção de que seus projetos são reflexos do que se passa na sua sigilosa intimidade.
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Seria reducionista, no entanto, fazer juízo de valor no sentido de uma suposta autenticidade – questão muito recorrente quando se trata da música pop, como se, enquanto produção voltada para o grande público, este gênero se colocasse no pólo oposto do rock, considerado por muitos como estilo que, por essência, preza pela originalidade. Antes de tudo, estamos falando de construções performáticas – às quais ninguém está imune.
VIVA A FAROFA
Voltando à Luísa Sonza e seu Pandora, o que temos é o primeiro produto de uma artista jovem, inserida em um contexto transmidiático e buscando se estabelecer em um mercado concorrido. Ela, assim como outros artistas nacionais e internacionais recentemente, cresceu no mundo virtual, tendo a internet como grande veículo de divulgação de sua carreira antes de assinar com uma grande gravadora. Sua identidade artística, como é natural, ainda está em construção.
Assim, mais do que nos momentos em que busca se despir emocionalmente, ela atinge resultados promissores quando abraça o que definiu como “farofa”. Ou seja, quando o êxtase da dança e do refrão grudento são capazes de levar a pista de dança até o chão cantando em uníssono.
É o caso de Garupa, parceria com Pabllo Vittar, uma das figuras mais emblemáticas do pop brasileiro. A canção, que mescla trap, reggaeton e funk, é chiclete e já na primeira audição imprime os versos na cabeça do ouvinte (“Eu vou na garupa pa-pa” deve se tornar inescapável pelos próximos meses). A faixa já é uma das cinco mais ouvidas no Spotify Brasil e o clipe, com Luísa e Pabllo sensualizando em uma pista de corrida, já passa das oito milhões de visualizações.
Pior Que Possa Imaginar, lançada no início do ano, segue pelo mesmo caminho. Nela, Luísa provoca seu objeto de desejo e desafia a percepção dele sobre como ela deveria expressar suas fantasias. O conceito do vídeo ironiza a dualidade entre estereótipos de princesa e devoradora de homens com os quais as mulheres costumam ser divididas pela sociedade machista, como uma espécie de medidor de valor.
Outros destaques do disco são Não Vou Mais Parar, que evoca a fusão de hip hop e r&b que dominou as paradas nos anos 2000, e a sensual Saudade da Gente, cujo instrumental não soaria deslocado em um dos primeiros álbuns de Ariana Grande.
O desejo carnal, aliás, talvez seja o grande carro-chefe do álbum e revele mais sobre sua intérprete. Afinal, trata-se de uma mulher jovem, recém-casada, feminista, e que quer expressar sua sexualidade e fantasias. Bomba Relógio, com participação de Vitão, é, segundo ela, sobre as ausências provocadas pelas agendas apertadas dela e do marido e como cada encontro tem uma urgência avassaladora.
Com Pandora, Luísa Sonza dá mais um passo na construção de sua identidade como artista, descolada dos rótulos que até então lhe acompanhavam. É um disco que segue à risca a cartilha do pop, mas que mostra como elementos externos – os posicionamentos políticos, os discursos, a imagem – contribuem para que ídolos sejam enaltecidos ou levados ao ostracismo. Ao apostar em não se omitir, Luísa finalmente tem os holofotes para si.