Corujas, carcarás, bater de asas, presas agarradas em unhas e todo o mundo ilustrado por Siba em Coruja Muda, terceiro disco do músico popular/pop, ganha hoje seu primeiro encontro físico com o público pernambucano, no Clube Atlântico, em Olinda. O disco de 11 faixas foi lançado em setembro do ano passado e carrega a potente carga lírica e musical que o pernambucano vem imprimindo em sua carreira, seja nos projetos solos ou em empreitadas como as no Mestre Ambrósio e a Fuloresta. O álbum carimba ainda mais a maturidade estilística dos passos solo – mas nem tão solo – de um dos mais prolíficos frutos que nasceram do solo musical local, em continuidade de suas coerentes articulações entre expressões populares enraizadas com o mundo e o espírito do tempo atual.
Coruja Muda adensa o repertório de uma Siba que se reaproxima da guitarra, mantendo a conversa com a cultura popular, em uma trajetória que tem seu início marcado pelo Avante (2012) e continuado em De Baile Solto (2015). Trazendo nomes como Chico César e Alessandra Leão, além de sua fiel banda, composta por Mestre Nico (voz), Lello Bezerra (guitarra) e Rafael dos Santos (bateria), o músico volta a trazer umas cadências e versos únicos nas misturas que faz, donas de complexas camadas por debaixo da aparente simplicidade de sua poesia.
É nos limiares entre aquilo que é da esfera do humanismo e aquilo que é do animalesco, em seus contrastes e paralelos, que o Coruja Muda destrincha sua poética. "Não é um tema que eu inventei, é algo que sempre está sendo pensado, essa origem animal. Pode ser para negá-la, a partir de alguma teoria criacionista, para dar ao homem o lugar de uma criação divina privilegiada. Mas também para exaltá-la, como uma sabedoria não racional, eventualmente acessível. No mundo ocidental, estamos sempre tentando estabelecer esses limites entre o que é homem e o que é animal, até para saber quem pode ser tratado como o que. A história do capitalismo, da escravidão e da colonização passa muito por essa discussão", elabora Siba.
Assim, discorre sobre poderosas aves nordestinas injustamente enjauladas, tatus vencendo licitações no ramo das escavações e uma observadora coruja que vê esse mundo cantado e ri. O momento contribui para essas narrativas.
"Qualquer artista que se preocupa com o próprio ofício exerce algum tipo de crítica e de elaboração do que ele faz enquanto tem que lidar com seu momento presente, político. O simples discurso político direto não estava cabendo muito bem, até porque é um discurso do dia a dia. Passei um tempo muito longo tentando saber de que modo eu poderia falar do momento presente sem cair na armadilha do panfletário, de uma arte que está a serviço de um objetivo muito claro e tangível, fui chegando a esse lugar mais aberto. Esse espaço de indefinição entre homem e animal é tão aberto para discutir muitas coisas, inclusive o momento político", explica.
Amadurecendo juntos
Mesmo carregando o nome de Siba, o Coruja Muda é muito permeado por um processo coletivo, em que o trabalho com a banda também alcança um entrosamento e uma intimidade que permite também a maturação musical. "Foram dois discos nos quais tentei elaborar um estilo, de algum modo, e com o Coruja eu tenho a sensação de que cheguei em um lugar mais bem definido, não necessariamente que eu vá reproduzir esse estilo a partir de agora. Mas o formato musical e a relação entre as partes é algo bem resolvido e isso tem a ver com a estabilidade do coletivo, de a banda estar tocando junto há um bom tempo e estar elaborando junto esse processo. Não é algo somente individual de criação minha, mas tem a ver com a apropriação de todo mundo", afirma.
A recepção ao Coruja Muda é vista como calorosa por Siba, principalmente entre quem já acompanha suas andanças. Pelo que ouve, acredita no potencial de seu trabalho, assim como os anteriores, que passaram um bom tempo nos ouvidos desses seguidores. "É uma coisa que sempre aconteceu, as pessoas vão descobrindo aos poucos o álbum. Ninguém processa o disco de primeira, vai uma música de cada vez, tem gente que vem dois, três anos depois falar da descoberta de uma faceta não tão óbvia na primeira escuta", relata.
O pouso da Coruja Muda por aqui será em um espaço que está intimamente ligado à trajetória de Siba. Com um palco mais baixo e uma proximidade maior com o público, o Clube Atlântico de Olinda recebe suas caminhadas e projetos desde os anos 1990. “Eu tenho uma relação muito afetiva com a casa, assim como o público. Há uma característica de inferninho que me agrada muito, principalmente quando a gente leva uma música que vem de uma inspiração de música de rua. É um tipo de festa que não é totalmente controlável e que faz parte da nossa história", conclui. A noite ainda contará com Malícia Champion e discotecagem de Allana Marques e Damata. O evento está marcado para começar às 21h e os ingressos custam R$ 40 (meia-entrada) e R$ 45 (social).