No auge da fama, de 1954 a 1960, Cauby Peixoto não podia sair na rua sem ser perseguido pelas fãs. Dono de uma voz privilegiada e um repertório atabalhoado (certa vez, em entrevista, à Última Hora, ele confessou "não ter o menor bom gosto musical"), foi o primeiro ídolo de massas brasileiro de carreira "fabricada". Uma história bem contada na biografia Bastidores Cauby Peixoto 50 anos de Vozes e do Mito (Editora Record, 2002), assinado pelo jornalista Rodrigo Faour, que se tornou amigo do cantor e esteve com ele até o final.
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Sobrinho de Nonô (Romualdo Peixoto), pianista afamado nos anos 30, do sambista Cyro Monteiro, e gerado numa família extremamente musical, a mãe e o pai eram músicos, Cauby Peixoto não escapou ao destino dos irmãos Moacyr (pianista), Araken (trompetista) e Andyara (cantora), todos com carreiras bem sucedidas. Porém, foi além deles graças não apenas à bela voz, mas sobretudo ao talento de manipulador do empresário Edson Collaço Veras, o Di Veras, uma das figuras mais fascinantes e menos conhecidas dos bastidores da MPB.
Uma versão nacional do empresário de Elvis Presley, o controvertido coronel Tom Parker. Magnata do ramo imobiliário, o meio artístico para Di Veras era um hobby que levava a sério. A imagem de Cauby foi inteiramente construída por ele: dos sapatos ao sorriso (muito dentuço nas primeiras fotos): "O que faltava ao Cauby eram os toques que dei. Porque o aspecto dele era muito pobre, era muito mal vestido... levei-o a uma boa alfaiataria Otelo & Cordeiro, na Avenida Rio Branco. Fazia sob medida, tinha muito gosto... Tive a coragem de tirar os dentes todos dele... Mas Cauby teve muita sorte porque se adaptou muito bem à prótese, isso não prejudicou sua dicção", contou Di Veras ao autor da biografia.
Di Veras criou-lhe uma persona, conseguia com que ele estivesse sempre em evidência na imprensa. As cartas recebidas pelo cantor eram respondidas com um acetato em que o ídolo agradecia às fãs e enviavalhes sua próxima gravação. A voz que agradecia não pertencia a Cauby, mas ao radialista Gerdal dos Santos. As cartas eram lidas e respondidas pelo empresário. Cauby tinha mais o que fazer, shows, por exemplo. E muitos. Já em 1954, ele era um dos mais badalados astros do rádio brasileiro, campeão em recebimento de correspondência mensal na Rádio Nacional (3.052 cartas contra 2.555 da segunda colocada Emilinha Borba).
Faltava-lhe uma composição que servisse de assinatura musical. Desde o início, o repertório de Cauby Peixoto primava pela indefinição estilística: ia de baiões a standards norteamericanos. Não só o repertório, a carreira também. Foi pioneiro em cantar rock em português, com Rock and Roll em Copacabana (1957) de Luís Gustavo, gravou também, no mesmo ano, Enrolando o Rock, o primeiro sucesso do rock em português, de Betinho e Seu Conjunto, que o lançou. Cauby o regravou num lado B de um 78 rotações que tem um bolerão no lado A.
NOS ESTADOS UNIDOS Em 1954
Quando se tornava o novo ídolo das chamadas macacas de auditórios (as meninas que faziam parte das plateias dos concorridos programas radiofônicos), Di Veras arquitetoulhe uma carreira nos EUA. A primeira investida norteamericana de Cauby foi mais valiosa para seu álbum de fotografias. Ele se deixou posar ao lado de quase todos os grandes nomes do show bizz hollywoodiano, de Billy Eckstine a Rock Hudson. As outras incursões pela cena musical norteamericana seriam um pouco mais bemsucedidas, mas nenhuma causou o impacto que davam a entender as revistas brasileiras.
Assim como suas investidas no mercado europeu, certamente pelo fato de cantar em francês, inglês, o que o tornava um a mais, e ainda por cima com sotaque carregado. A inconsistência estilística de Cauby Peixoto era alvo para o bombardeio da crítica da época. "Cauby Peixoto num repertório perfeitamente detestável, revivendo boleros como Perfídia, cuja primeira gravação, se não nos falha a memória foi feita pelos fenícios ou pelos caldeus", comentário de Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), em relação ao single Ave Maria dos Namorados, no Jornal Última Hora, do Rio, em 1961.
Anos depois, comentando o excesso de ecletismo, Cauby afirmou: "Cantar qualquer tipo de música, para mim, nunca foi uma violência. Sou capaz de gravar um disco todo de baião, de axé music ... qualquer coisa me dá muito prazer, isto é ótimo, não é? Porque normalmente existe um critério, sei lá, mas eu não tenho".
(leia matéria na íntegra na edição impressa do Jornal do Commercio)