Em maio de 1962, o ainda pouco conhecido Roberto Carlos cantou no Clube Náutico Capibaribe. Animou a festa de entrega de medalhas ao time de basquete juvenil alvirrubro, consagrado campeão estadual. Na programação estavam ainda a hoje esquecida cantora carioca Diona Montez e dois jovens cantores locais. Um chamavase Fernando Azevedo, hoje médico e também cantor. O outro acabara de receber a medalha de campeão das mãos do presidente do clube, Eládio Barros de Carvalho. Seu nome, Alceu Valença, adolescente de 16 anos. "Cresci no Náutico, então vivia por lá e cantava nas festas do clube. Sou seis anos mais velho que Alceu, mas nos identificamos por causa da música e nos tornamos amigos. Quem o incentivou a cantar a primeira vez lá fui eu, mas na hora deu um branco nele. Neste dia não, cantou sem problemas", relembra Fernando Azevedo, que ensinou os primeiros acordes bossa nova a Alceu e também foi seu técnico de basquete.
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O I Festival Nordestino da Música Popular Brasileira, realizado no Recife em 1969, teve 500 músicas inscritas. Alceu Valença classificou duas composições. Uma delas, Barramangue, com o futuro deputado estadual José Áureo Bradley (Alceu assinou como A. Paiva), e Acalanto pra Izabela, apenas dele. "Naquele tempo a gente brincava lá em casa dizendo que Alceu fazia música como se tivesse numa padaria. Todo dia fazia uma", brinca o irmão Decinho Valença. Mais velho que Alceu, formado em engenharia, Decinho já morava e trabalhava no Rio, quando o irmão artista veio do Recife morar com ele. Foi assim que, sem fazer música, Decinho participou do grupo pernambucano, conforme a imprensa quis rotular a turma de amigos, formada por Alceu, Paulo Guimarães (falecido precocemente), Geraldo Azevedo e Carlos Fernando.
"Alceu Valença é um rapaz que está sempre no Degrau, no Leblon, enturmado como pessoal de Pernambuco (ele também é de lá). Os pernambucanos do Leblon formam uma raça característica, pitoresca, agradável, mas falam muito do Recife, e consideram Caruaru a cidade mais importante do mundo ... Devemos prestar atenção neste rapaz. A TV Globo lhe deu um prêmio especial, reconhecendo a originalidade de suas pesquisas. Eu lhe daria o primeiro prêmio". Trecho pinçado de uma crônica no JB, do capixaba José Carlos de Oliveira, um dos mais lidos do País, comentando a participação de Alceu Valença com Vou Danado pra Catende no festival Abertura, retomada dos festivais de MPB pela TV Globo.
E Alceu ganharia impulso a partir do Abertura, com a exposição que lhe deu aquela música e o show que faria naquele mesmo ano, no Teatro Thereza Raquel, em Copacabana. Ele se tornara ponta de lança de uma geração que veio em seguida ao tropicalismo, e que se não o renegava (como o contemporâneo Belchior, em Como os Nossos Pais), não se pretendia linha evolutiva de nada. Se Alceu Valença confundiu o júri do Abertura, que inventou uma categoria para premiálo, por outro lado, sua música era tão forte que agradou, com ressalvas, ao hipernacionalista Zé Ramos Tinhorão.
CABELOS GRANDES
Da turma dos pernambucanos participava também Manoel Messias, militante político, e irmão do compositor Carlos Fernando. Preso em 1964, no Recife, e libertado em 1969, Messias foi para o Rio, onde voltou a estudar economia, continuando a combater a ditadura: "A gente morava no Leblon, Alceu foi com Carlos Fernando ao apartamento, onde estaria Manoel Messias. Alceu preferiu esperar na calçada. Quando Carlinhos abriu a porta, havia mil fuzis apontados para ele", quem lembra a história é novamente Decinho Valença. Prenderam Carlos Fernando e Alceu Valença não foi junto porque, impaciente com a demora, foi para o Degrau, onde soube da prisão.
Alceu convidou os músicos recifenses de Vou Danado pra Catende para participar do show homônimo. Voltou para o Rio, com Zé Ramalho, num fusquinha dirigido por Wellington Lima, o mais requisitado iluminador de palcos da cidade e terceiro demônio na Paixão de Cristo de Nova Jerusalém. Paulo Rafael, Zé Da Flauta, Agrício Noya, Israel Semente, Ivinho Wanderley, Dircinho e a banda Batalha Cerrada tiveram um viagem, literalmente, acidentada. O ônibus despencou ribanceira abaixo, em Sergipe, a 100 km de Aracaju: "Ninguém sofreu nada, a gente estava dormindo, e acordou lá embaixo, noite alta, o ônibus virado. Saímos pela janela, no meio do lamaçal", conta Zé da Flauta.
O acidente apressou a viagem. O cantor caruaruense Luis Vieira e o empresário Benil Santos, que contratara Alceu Valença, financiaram passagens aéreas para a banda. "Carlos Fernando já nos esperava com as chaves de um apartamento, alugado por Benil, na Av. Nossa Senhora de Copacabana, próximo ao Teresão", conta Wellington Lima. Um apartamento pequeno para acomodar tanta gente. Mas Alceu Valença não se sentiu tão desconfortável. O edifício chamavase São Bento
