Clássicos

Há 20 anos, Lauryn Hill e Madonna lançavam discos icônicos

Experiências com a maternidade, relacionamentos amorosos e financeiros marcam as obras

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 26/02/2018 às 14:00
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Experiências com a maternidade, relacionamentos amorosos e financeiros marcam as obras - FOTO: Reprodução
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A ausência de mulheres entre os principais vencedores do Grammy – e o comentário do presidente da premiação, que disse que elas precisavam “se esforçar mais” para figurar entre os concorrentes – gerou uma série de protestos e explicitou uma postura misógina histórica na indústria musical. Se hoje o cenário é desanimador, no passado era ainda pior. Porém, dois trabalhos lançados em 1998, interpretados, escritos e produzidos por mulheres tornaram-se clássicos instantâneos, quebrando barreiras de gênero e influenciando as gerações seguintes: Ray of Light, de Madonna, e The Miseducation of Lauryn Hill.

O Grammy de 1999 – que contemplou os trabalhos lançados no ano anterior – foi um marco na premiação: pela primeira vez, a categoria principal, de Disco do Ano, tinha apenas mulheres concorrendo. Disputavam Lauryn Hill e Madonna, Sheryl Cole, Garbage, banda liderada por Shirley Manson, e Shania Twain. Hill levou o prêmio para casa, fazendo do disco o primeiro de hip hop a conquistar o maior prêmio da noite.

A edição, aliás, ficou conhecida como “O Grammy das Mulheres”: Lauryn levaria ainda mais quatro troféus pelo disco, seu primeiro solo: Artista Revelação, Melhor Performance R&B, Melhor Música e Disco de R&B. Madonna viria logo atrás, com quatro estatuetas, entre elas Melhor Álbum Pop. O trio Dixie Chicks, Alanis Morissette, Shania Twain e Céline Dion levaram duas cada.

Tanto The Miseducation of Lauryn Hill quanto Ray of Light são discos que mostram a disposição de suas criadoras em experimentar tanto em questões sonoras quanto de composição. São também trabalhos que mostram os efeitos da maternidade e da maturação das experiências espirituais, amorosas e de vida de suas intérpretes, oferecendo visões complexas sobre a vivência feminina, e suas mensagens ainda reverberam.

SUBSTITUTO DO AMOR

Os anos 1990 foram conturbados para Madonna. Maior popstar do mundo, ela cutucou com vara curta os conservadores ao lançar o disco Erotica (1992) e o livro SEX, nos quais falava abertamente sobre sexualidade de forma que desafiava a heteronormatividade. Marginalizada por seu posicionamento, ela voltou às graças da grande mídia e do público com Ray of Light, disco produzido após o nascimento de sua primeira filha, Lourdes Maria, em 1996.

Em parceria com o produtor William Orbit, então desconhecido do grande público, ela mais uma vez mudou o cenário musical ao trazer a música eletrônica, mais especificamente o techno, até então um som underground, para a grande mídia. Influenciada por seus estudos na cabala, hinduísmo e budismo, a artista entregou seu disco menos sexual, mas não menos empoderado.
Drowned World/Substitute For Love mostra a ex-Material Girl questionando suas prioridades, assim como Nothing Really Matters. A faixa-título, com sua pegada quase transcendental, continua uma das melhores já lançadas pela americana. As baladas The Power of Goodbye, To Have and Not To Hold e Frozen também reafirmam o talento de Madonna como compositora.

O conteúdo introspectivo do álbum se tornou uma referência para artistas pop que buscavam a reinvenção e novas narrativas, que tocassem em temas mais profundos. O hedonismo que produziu algumas de suas faixas mais poderosas no passado, aqui, dá espaço para um mergulho interior. Vinte anos depois, continua igualmente impactante.

NO CONTROLE

Lauryn Hill já era um nome respeitado no cenário do hip hop como um terço do grupo The Fugees, que integrava ao lado dos haitianos Pras e Wyclef Jean quando se lançou em carreira solo. Após o aclamado The Score (1996) e o início dos atritos entre os integrantes, ela engravidou de seu primeiro filho, Zion, fruto do relacionamento com Rohan Marley, e encontrou novo fôlego criativo.

Lauryn Hill tinha apenas 23 anos quando o disco foi lançado, mas, ao ouvi-la cantar sobre relacionamentos, espiritualidade, família e questões sociais, é fácil imaginar que se trata de um trabalho de alguém mais velho. A densidade das composições da americana, assim como suas interpretações certeiras, que buscam mais a emoção do que a perfeição técnica e, assim, capturam a complexidade dos assuntos dos quais trata, revelam a maturidade da artista.

O disco passa longe de querer prescrever fórmulas. É, antes de tudo, um testemunho sem filtros de alguém tentando entender como lidar com suas experiências. A fusão de rap, soul, R&B, gospel e reggae nas faixas ajudou o hip hop a atingir novas audiências em um momento em que o gênero já dominara o mainstream, mas cujos hits versavam majoritariamente sobre sexo, drogas, dinheiro e violência.

Em Lost Ones, ela aborda a conturbada relação com seus ex-parceiros no Fugees. Em Forgive Them Father, ela reflete sobre o efeito do capitalismo e do racismo nos oprimidos. “Como idolatrar os desaparecidos?/ Sobreviver é permanecer vivo diante da oposição”, dispara. To Zion é uma ode à maternidade e assume um contorno quase místico. Em Ex Factor ela canta um relacionamento abusivo, no qual nenhuma das partes se deixa ir, apesar do sofrimento. O tema aparece novamente em When It Hurts So Bad e I Used To Love Him.

A espiritualidade e a consciência social aparecem em canções como Final Hour e Everything Is Everything. “Parece que perdemos o jogo/ Antes mesmo de começá-lo/ Quem fez essas regras?/ Estamos tão perdidos/ Que facilmente somos enganados”. Em Doo Wop (That Thing), ela aborda as dinâmicas de gênero e prega a união feminina.

Considerado por diversas publicações, como a Rolling Stone, um dos discos mais importantes já lançados, o trabalho vendeu 20 milhões de cópias e integra a Biblioteca do Congresso Americano, que reúne trabalhos em diferentes linguagens, por sua importância cultural, histórica e estética”.

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