Respeito

Artistas trans lutam por visibilidade e representatividade

Às vésperas do Dia da Visibilidade Trans, atrizes refletem sobre dificuldades e conquistas

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 27/01/2019 às 9:00
Bobby Fabisak/JC Imagem
Às vésperas do Dia da Visibilidade Trans, atrizes refletem sobre dificuldades e conquistas - FOTO: Bobby Fabisak/JC Imagem
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“O corpo trans é censurado antes mesmo de chegar ao palco”. Com essa fala, Sophia William buscou explicar a profissionais das artes cênicas de Pernambuco, durante uma reunião no último dia 15, o peso da censura sofrida por O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, peça protagonizada pela atriz trans Renata Carvalho, no Janeiro de Grandes Espetáculos. A atriz pernambucana reforçou ainda que há um longo caminho a se trilhar em busca de uma representatividade efetiva da comunidade, que celebra o Dia Nacional da Visibilidade Trans na terça-feira (29), e por isso é importante a escuta daqueles historicamente oprimidos e violentados (o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo).

No Manifesto Representatividade Trans Já – Diga Não ao Trans Fake, escrito por Renata Carvalho, o Movimento Nacional de Artistas Trans clama pelo fim da prática de atores cisgêneros interpretando papéis trangêneros, chamada de trans fake. “Estamos buscando visibilidade, representatividade, oportunidade e emprego. Precisamos que olhem de verdade para as questões de nossa população. Estamos sendo mortas diariamente das formas mais cruéis (...) Somos censuradas, proibidas, expulsas e banidas de vários meios sociais. Somos invisibilizadas tanto em vida quanto na morte. Precisamos mudar essa realidade. Precisamos ser vistas, enxergadas e reconhecidas.”

“Este é um momento muito importante para as pessoas nos escutarem. Nossa luta é por visibilidade. Antes, mulheres e negros não conseguiam ir à cena. Agora, estamos no nosso processo porque somos negadas o direito inclusive de nos representar. É importante gerar espaço para que as pessoas possam se reconhecer em cena, perceber que seus corpos são possíveis e importam”, enfatiza a multiartista Aurora Jamelo, que integra o grupo DIG – d’Improvizo Gang ao lado de Sophia.

Ambas artistas trans, elas enxergam que a “licença poética”, que permitiria atores cisgêneros assumirem personagens trans, não é aplicada para todos. Ou seja, é excludente, e, por isso, consideram a prática danosa.

“A licença poética não é dada para os corpos que estão à margem. Não me chamam, por exemplo, para interpretar uma mulher cis. Na maioria das vezes, quando o papel é de uma mulher trans, colocam um homem cis ou gay e isso é muito ardiloso porque reforça uma ideia de ‘masculinidade’ relacionada ao corpo trans. No manifesto de Renata, ela propõe que parem de nos interpretar por 30 anos, deixando para nós a função de falar sobre nós. Imagina quanta coisa não pode mudar se fizermos isso?”, reforça Sophia.

Apesar do cenário não ser animador, as atrizes, que também são curadoras do festival Transborda, voltado para a produção LGBT, de negros e mulheres, observam que há um número crescente de artistas e coletivos abordando as questões ligadas aos corpos socialmente estigmatizados. “Temos uma inquietação cada vez maior de contar nossas histórias, de nós mesmas falarmos sobre nossas experiências. Por isso, estamos escrevendo dramaturgia, nos movimentando para transformar essa realidade”, aponta Aurora.

Elas mostram ainda que há um número robusto de artistas trans em atividade no Estado, como Dante Oliveira, Renna Costa, Benedita Arcoverde, Perla, Libra Crux, Linda DeMorrir, entre outros.
Uma nova reunião com a classe artística está marcada para esta terça-feira, às 14h, no Espaço Acolher, na Rua Gervásio Pires, 404). Amanhã, a Apacepe, o Governo do Estado e a Prefeitura do Recife serão ouvidos pelo Ministério Público de Pernambuco para prestar esclarecimentos sobre o ocorrido.

TELEVISÃO

A televisão americana, que vive a sua chamada Era de Ouro, tem observado um crescimento na participação de pessoas trans. Se antes apareciam surgiam em sua maioria de forma estereotipada, trágica e interpretados por atores cis, os personagens trans estão mais complexos. A visibilidade de artistas como Laverne Cox, que como Sophia Burset em Orange Is The New Black, da Netflix, se tornou a primeira pessoa trans indicada ao Emmy, ajudou a levar o debate para a grande mídia.

A Netflix, inclusive, tem investido na diversidade de suas histórias e elencos, com mais participações de grupos socialmente excluídos, como os não-brancos e LGBT. É o caso de Sense 8, dirigido por Lana Wachowski e com a atriz Jamie Clayton, ambas mulheres trans; You, com a atriz Hari Nef, e a brasileira 3%, com a atriz Marina Matheus. Transparent, da Amazon Prime, protagonizada por um homem cis, mas com várias pessoas trans, mulheres e homem (o ator Ian Harvie), no elenco; a série Supergirl, que tem uma super-heroína trans.

Entre os exemplos mais potentes, Pose, de Ryan Murphy, se destaca, que foi protagonizada por cinco atrizes trans: Hailie Sahar, Indya Moore, Dominique Jackson, Angelica Ross e M.J. Rodriguez. A série complexifica e da visibilidade aos seus corpos e vivências.

No Brasil, em 2017, Glória Perez levou a questão da identidade de gênero para o horário nobre na novela A Força do Querer, a partir da história de Ivan, homem trans interpretado pela atriz cis Carol Duarte, e que tinha no elenco os artistas trans Maria Clara Spinelli e Tarso Bant. A autora já havia escalado o ator Thammy Gretchen para Salve Jorge (2015). A nova novela da Globo, Dias Felizes, de Walcyr Carrasco, em pré-produção, terá uma personagem travesti, interpretada pela atriz trans Glamour Garcia.

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