Os desempenhos fiscais ruins dos últimos anos e os sucessivos rebaixamentos pelas agências de classificação de risco retomaram as atenções para uma variável que há muito tempo não preocupava a economia brasileira: a dívida pública. Depois de passar muitos anos estabilizado, o indicador voltou a subir fortemente nos últimos tempos, fazendo economistas divergirem sobre a trajetória do endividamento do país.
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Com o déficit primário recorde – resultado negativo antes do pagamento dos juros da dívida pública – no ano passado, a Dívida Bruta do Governo Geral saltou de R$ 3,252 trilhões no fim de 2014 para R$ 3,927 trilhões no fim do ano passado. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB, a soma dos bens e serviços produzidos no país), o endividamento passou de 57,2% em 2014 para 66,2% no fim de 2015.
Indicador mais usado para comparações internacionais, a Dívida Bruta do Governo Geral considera o endividamento da União, dos estados e dos municípios, excluindo o Banco Central e as empresas estatais. Diferentemente da dívida líquida, os créditos – o que o governo tem direito a receber – não é descontado do estoque.
Para conter a explosão do endividamento no médio e no longo prazo, o governo costumava economizar parte dos recursos para pagar os juros da dívida pública: o superávit primário. No entanto, o Brasil fechou 2014 com déficit primário de R$ 32,5 bilhões em 2014 e de R$ 111,2 bilhões em 2015. Na última sexta-feira (19), a equipe econômica anunciou que pedirá autorização para que as contas públicas fechem 2016 com novo déficit, de até R$ 60,2 bilhões, o que fará o endividamento aumentar novamente este ano.
As perspectivas em relação à dívida pública têm provocado reação no mercado. O rebaixamento do país pela agência de classificação de risco Standard & Poor's, na semana passada, foi o último de uma sequência de reduções de notas que retiraram o Brasil do grau de investimento – garantia de que o país não dará calote. A possibilidade de que o país algum dia deixe de pagar o que deve, como fez no fim dos anos 80 com a dívida externa, divide economistas ouvidos pela Agência Brasil.
Perspectivas divididas
Especialista em política fiscal, o professor Francisco Lopreato, da Universidade de Campinas (Unicamp), considera improvável um calote do governo na dívida pública. “Claro que a dívida pública sofreu uma deterioração grande em 2014 e 2015, mas acho exagerado falar em calote. Na pior das hipóteses, a composição da dívida continuará a piorar até o prazo médio cair e os juros aumentarem”, diz.
Para Lopreato, um grande diferencial de hoje em relação aos anos 80 é a dívida externa, que hoje representa cerca de 1% do endividamento público total. “O que poderia realmente complicar era a dívida externa, mas isso não é um problema porque o Brasil tem amplas reservas internacionais”, explica. Em relação à dívida interna (o que o governo deve no mercado doméstico), ele lembra que no auge da crise dos anos 80 o Tesouro Nacional renovava a dívida diariamente, no chamado overnight, sem precisar dar calote.
O presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Júlio Miragaya, também rejeita a possibilidade de calote. Segundo ele, a economia brasileira vai se recuperar nos próximos dois anos, abrindo caminho para a melhoria da situação fiscal. Ele, no entanto, diz que o problema da dívida pública seria resolvido mais rapidamente se o Banco Central reduzisse os juros básicos da economia.
“O grande problema da dívida pública brasileira, a meu ver, não é o tamanho, mas os juros que incidem sobre ela. Como a inflação está sendo pressionada por fatores externos, como o tarifaço do ano passado, e não pela demanda dos consumidores, que está fraca, há sim espaço para o Banco Central dar uma guinada na política monetária”, diz.
Necessidade de reformas
Pós-doutorando em macroeconomia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e também membro do Cofecon, Luciano D'Agostini diverge dos colegas e considera provável a possibilidade de um calote nos próximos anos. “Se tudo continuar como está, meus modelos preveem que, entre 2018 e 2022, o país não conseguirá mais pagar a dívida pública. Nesse caso, ou o governo terá de dar calote ou o Banco Central terá de imprimir moeda, levando à volta da inflação dos anos 80”, adverte o professor, autor de um artigo sobre o tema.
D'Agostini, no entanto, diz ser possível evitar o calote, caso o governo promova reformas estruturais que reduzam os gastos com a Previdência Social, diminuam os subsídios e endureçam o combate à corrupção. Do lado monetário, ele defende que o Banco Central eleve o centro da meta de inflação para 7,5% ao ano para que os juros básicos possam cair.