Se no curto prazo a greve do INSS irritou contribuintes e beneficiários, no longo prazo é a incerteza que torna difícil o planejamento de uma aposentadoria tranquila. A instabilidade política generalizada se reflete na indefinição das regras. Hoje não se sabe quais serão os critérios para os próximos anos: sob o comando do presidente da casa, Renan Calheiros, o Senado deve votar até o fim do dia a nova proposta, que alonga o escalonamento elaborado pelo governo.
A proposta já passou por apreciação da Câmara, presidida por Eduardo Cunha. Dependendo desta votação e da sanção ou veto da presidente Dilma Rousseff, as mudanças começam em 2017 ou 2019, o que pode dar novo destino às normas que entraram em vigor há menos de cinco meses.
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Relator da comissão especial que analisou a MP na Câmara, o deputado governista Afonso Florence (PT-BA) se diz “realista” ao apontar que a proposta deve passar pelo Senado e chegar à sanção sem alterações. Deste modo, os próximos 30 dias serão muito importantes para todos que estão na ativa agora e quem ainda vai entrar no mercado de trabalho. Isso se as regras não forem revolvidas novamente.
A última mexida significativa na relação contribuinte versus aposentadoria foi no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), que tentou impor uma idade mínima para o início do benefício – somos um dos poucos países que ainda não adotam o critério – sem sucesso. Por isso, implantou o fator previdenciário (leia mais no quadro abaixo), com tempo mínimo de contribuição de 35 anos para homens e 30 para mulheres.
Na época, o Partido dos Trabalhadores (PT) foi radicalmente contra os dois projetos. Agora, com a crise apertando as contas públicas por todos os lados, o governo petista quer estancar a sangria nas contas da previdência tentando manter o fator previdenciário e adiar o sistema de somas. O problema é que a medida não é popular nem encontra eco o suficiente na oposição. E assim a briga política afeta, mais uma vez, o futuro do País.
O economista e consultor Maurício Romão analisa que os problemas da Previdência Social são muito mais profundos. O sistema em vigor hoje facilita a saída do contribuinte, aumentando a fragilidade do sistema previdenciário, que já estaria comprometido com outras aberturas, como as aposentadorias rurais, que podem ser concedidas a quem nunca contribuiu, entre outros problemas.
Para ele, é uma questão estrutural que a presidente da República não tem condições de enfrentar agora. “No contexto político atual, ela não tem condições de gerir uma discussão que resolva questões de longo prazo. E o futuro do País está sendo comprometido pela instabilidade política.”
Para o advogado especialista em direito previdenciário Paulo Perazzo e para o diretor do Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev), Luís Felipe Veríssimo, é pouco provável que Dilma Rousseff rejeite as mudanças ou force a volta do fator previdenciário como único critério.
Ambos acreditam que seria um desgaste que o governo não quer enfrentar. Eles reforçam o alerta de Romão no que diz respeito a outras medidas necessárias para uma reforma efetiva na Previdência. Perazzo destaca a falta de uma idade mínima para manter o trabalhador contribuindo por mais tempo, e Veríssimo lembra da informalidade alta, estimada em 40% da força de trabalho no País.
Em relação aos cálculos do ponto de vista do beneficiário, eles têm avaliações diferentes. Para Veríssimo, mesmo com o escalonamento de 85/95 para 90/100, a opção pela soma ainda será vantajosa para quem quer se aposentar, seja em 2022 ou 2026.
Ele explica que o aumento da expectativa de vida é constante e impacta o fator previdenciário. Assim, esse sistema vai se manter como é hoje: raramente o resultado do fator passa de 1, o que significa perda para o contribuinte (1 significa aposentadoria com salário integral até o teto de R$ 4.663,75).
Já para Perazzo, é preciso considerar os números atuais para fazer a projeção. “Não temos como estimar essas variáveis no futuro, não sabemos como e quando esses números (que compõem o fator) vão mudar. Pode aumentar ou diminuir. E com o que temos hoje, o 90/100 não se mostra como um ganho para o trabalhador”.
Com os dados do fator previdenciário atuais, o 90/100 é desvantajoso em alguns casos, como para homens em torno dos 60 anos. “Não se falou nisso ainda: no fim das contas, o que se diz que é bom para o trabalhador pode acabar como um grande jogo de cena. Mas está nas mãos deles saber quem vai e como vai se aposentar daqui pra frente.”