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Ao passo que cresce o número de demissões decorrentes do cenário recessivo do País, o governo federal aumenta o cerco sobre a concessão do seguro-desemprego. Uma regra que existe desde 1990 passou a ser aplicada com mais rigor. Se o empregado de carteira assinada foi demitido sem justa causa mas tinha uma empresa (um CNPJ) em seu nome, o pedido do benefício é negado, ainda que a firma esteja inativa e não gere renda para o solicitante. Isso inclui uma nova – e crescente – categoria de empresário: o Microempreendedor Individual (MEI), inscrição sob a qual estão quase 200 mil pessoas somente em Pernambuco.
De acordo com informações do Ministério do Trabalho e Previdência Social enviadas ao JC, o indeferimento do pedido de seguro-desemprego é baseado na Lei 7.998, de 1990, que determina “não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família” como critério indispensável para a concessão do benefício. Contudo, em outubro do ano passado, foi emitida uma nova orientação operacional, “indicando que deveria ser anexada informação de inatividade da receita para o ano da demissão”, comprovada pela Declaração Simplificada da Pessoa Jurídica (DSPJ – Inativa). Desse modo, mesmo com CNPJ, o solicitante era atendido com a comprovação de que não tinha renda extra com a empresa.
Em dezembro, no entanto, outra orientação fez com que não fosse mais aceito o documento. “Em razão de não haver validação dos dados declarados para a Receita Federal, somente poderia considerar a empresa como não geradora de renda potencialmente a partir da sua liquidação e de sua baixa no Registro Público de Empresas Mercantis”, informou o órgão, que alega não ter como atestar que a defesa do desempregado é verdadeira. O ministério não respondeu à reportagem a respeito do número de benefícios que foi negado sob esse critério no País e em Pernambuco.
MICRO - Contador e analista de Orientação Empresarial do Sebrae Pernambuco, Luiz Nogueira explica que todos os esclarecimentos do órgão – cursos, palestras, etc. – em relação ao MEI sempre deixaram claro que a adesão implicava em perda do direito ao seguro-desemprego para aqueles que mantinham as duas atividades (empreendedor e trabalhador formal assalariado).
Ele reconhece que essa situação de dupla jornada, de empresário e empregado, é muito comum entre os microempreendedores individuais. No entanto, Nogueira destaca que o movimento mais comum é que as pessoas deixem seus empregos de carteira assinada para se dedicarem aos seus negócios. “Muita gente fica com as duas atividades por um tempo. Mas o seguro é para quem é demitido (sem justa causa), e o que geralmente ocorre é a pessoa pedir demissão para empreender”, esclarece.
O MEI foi criado em 2008 para que microempreendedores dessem os primeiros passos na formalização. Quem adere recebe um CNPJ e pode emitir nota fiscal e até ter um empregado. Em contrapartida, paga uma taxa mensal máxima de até R$ 50, para cobrir a contribuição do INSS (R$ 44) e ICMS ou ISS, de acordo com o setor. Para isso, porém, é preciso ter um faturamento máximo de R$ 60 mil anuais, o que dá uma média de R$ 5 mil mensais.
Em Pernambuco, há 191.455 pessoas inscritas como MEI na Receita Federal, 23% do que havia em dezembro de 2014. O Estado é hoje o oitavo do País em volume de microeempreendedores individuais.
Advogado Marcos Alencar diz que ministério não
deveria demorar a reconhecer a ausência de renda. Foto: Divulgação
PREJUDICADOS PODEM ENTRAR NA JUSTIÇA
Advogados trabalhistas consultados pela reportagem pontuam que o governo federal está correto em “barrar” pessoas com CNPJ na concessão do seguro-desemprego. No entanto, eles criticam a postura do órgão em não aceitar as comprovações de inatividade do CNPJ, o que provaria a ausência de renda extra. Atualmente, a saída para quem tem o nome vinculado a um CNPJ sem quaisquer movimentos que gerem renda é entrar na Justiça.
A busca das vias judiciais deve ocorrer se declaração da Receita Federal ou mesmo de um contador – que deveriam ser suficientes para que o desempregado voltasse a ter acesso ao benefício – for rejeitada pelo Ministério do Trabalho e Previdência.
“Esse formalismo pode ser esclarecido dentro do processo administrativo do ministério, que não deveria forçar o trabalhador a buscar a Justiça. Do contrário, há um nítido interesse da administração em não ser razoável no esclarecimento da situação, o que vai gerar uma judicialização”, comenta o advogado Rômulo Saraiva.
O advogado Marcos Alencar acrescenta que, nesses casos, o canal a ser buscado é a Justiça Federal. “Entendo que não deve ser a Justiça do Trabalho porque o empregador que desligou a pessoa não tem relação com esse problema ligado ao CNPJ”, esclarece Alencar, que reforça a aprovação da postura do ministério: “Eles têm que ter controle porque as fraudes são milionárias. O que não pode acontecer é a demora quando o desempregado comprova que não tem outra renda”.
A análise é corroborada pelo ministério: “A nova prática se deve a recorrentes auditorias da Controladoria Geral da União e do Tribunal de Contas da União apontarem pagamentos irregulares de seguro-desemprego a trabalhadores sócios de empresas”, informa o órgão.
A medida faz parte das ações do governo federal para cortar gastos. Em julho do ano passado, o tempo mínimo necessário para solicitar o seguro-desemprego aumentou.