DOMÉSTICAS

Menos mulheres se interessam pelo emprego doméstico

Apesar do crescimento da legalização, profissão não é renovada devido aos estigmas sociais e barreiras do mercado

Emídia Felipe
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Emídia Felipe
Publicado em 10/08/2014 às 9:08
Alexandre Gondim/JC Imagem
Apesar do crescimento da legalização, profissão não é renovada devido aos estigmas sociais e barreiras do mercado - FOTO: Alexandre Gondim/JC Imagem
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Vana é uma raridade. Para a sua patroa, Sarah, isso se reflete na relação pessoal que as duas cultivaram em mais de 20 anos de convivência. Para Vana, a exceção começou quando, ainda nos anos 1980, ela encontrou uma empregadora que assinasse sua carteira de trabalho, respeitasse todos os direitos e ainda lhe pagasse três vezes mais do que o praticado no mercado. Números compilados pelo Dieese mostram que a situação das duas também tende a virar raridade: embora a formalização esteja aumentando, a quantidade de pessoas dedicadas ao trabalho doméstico na Região Metropolitana do Recife está em declínio. 

Baseado em dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), o Diesse de Pernambuco aponta que no primeiro semestre deste ano, 113 mil pessoas estavam ocupadas em serviços domésticos na Região Metropolitana do Recife (RMR). O contingente é 12,3% menor do que no mesmo período de 2012 e ainda 4,4% mais baixo do que no ano passado.

“As mais moças não querem mais ser empregadas. As pessoas me pedem indicação, referência e eu não consigo dar porque não tenho”, conta Ahedyvone Barbosa de Santana, a Vana, que tem 65 anos e hoje, aposentada, é diarista. Mas só atende uma cliente, Sarah Bailey, intérprete e tradutora inglesa que a contratou décadas atrás, cumprindo a lei e pagando três salários mínimos, apesar dos protestos de conhecidos. “Eles diziam que, assim, eu estava desequilibrando o mercado. Mas ela fazia praticamente o serviço de três pessoas e não merecia ganhar menos”, relata Sarah. 

A “hostilidade” que Sarah sentiu ao tratar Vana como uma empregada legalizada é um dos estigmas que pesam sobre a profissão e que são cada vez mais expostos e discutidos desde a promulgação da PEC das Domésticas, que permitiu à categoria direitos já garantidos a outras classes trabalhadoras. “Ainda assim, o desrespeito é muito grande. Estamos há mais de um ano esperando a regulamentação de diversos itens”, lamenta a presidente do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas do Estado de Pernambuco (Sindomésticas-PE), Luiza Batista. 

Um exemplo da disparidade entre as domésticas e as demais classes trabalhadoras é a jornada de trabalho. Segundo o Dieese, em 2013, enquanto a jornada média semanal da mulher da RMR era de 41 horas e a do homem, de 47 horas, a da empregada doméstica ficava entre 48 e 51 horas. E, embora as domésticas que durmam no emprego sejam poucas, para elas, a carga pode ser até 13 horas maior do que a da que não dorme, de acordo com o Ipea.

Coordenador do Dieese, Jairo Santiago avalia que essas barreiras desleais no mercado de trabalho, as raízes na escravidão e outros motivos fazem com que o “status” da profissão seja baixo, o que leva a mulher de baixa renda, principal perfil entre os empregados domésticos, a preferir outros segmentos, como comércio e serviços. A filha de Vana, por exemplo, trabalhou apenas dois meses como doméstica e desistiu: agora é assistente de serviços gerais em um restaurante. 

Jairo acrescenta ainda que a atividade não oferece perspectiva de progressão na carreira. Outro ponto desfavorável é a ausência de formação específica para a área – não existem cursos técnicos ou mesmo de aperfeiçoamento voltados ao empregado doméstico. São mais elementos que afastam os jovens da profissão. “Às vezes o jovem prefere um trabalho tão árduo quanto o doméstico, mas no comércio, apenas para não ter que se apresentar como empregado doméstico, mas sim como comerciário”, pontua o especialista.

“Por isso mesmo precisamos valorizar o trabalho doméstico, para que as pessoas não tenham vergonha”, crava a fiscal da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE PE) Felícia Mendonça. Ela integra o grupo que foca na promoção do trabalho doméstico decente, em que diversas instituições tentam dissolver os obstáculos que pressionam as trabalhadoras. “Somente equiparando as domésticas às demais categorias vamos diminuir esse fosso e tirar essa visão de valor social reduzido.” Para Felícia, quando a qualidade do trabalho dessa classe melhora, força a evolução das demais. “Sem ter alguém o tempo todo disponível para cuidar de seus filhos, as pessoas terão que cuidar elas mesmas e vão exigir melhores condições do mercado”, acredita. 

 

Veja a cartilha do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) sobre o trabalho doméstico:


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