Contas públicas

Governo Dilma faz poupança sem guardar dinheiro

Maquiagem fiscal aprovada na Câmara tem risco de cair na Justiça

Giovanni Sandes
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Giovanni Sandes
Publicado em 05/12/2014 às 0:46
Foto: Vivi Zanatta/Estadão
Maquiagem fiscal aprovada na Câmara tem risco de cair na Justiça - FOTO: Foto: Vivi Zanatta/Estadão
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O que você acharia de alguém que diz ter poupado R$ 10 mil este ano e não tem um real na conta? E se esse alguém, para provar que economizou, em lugar do saldo bancário mostrasse o recibo das prestações do apartamento? Essa economia sem guardar dinheiro vai ser usada pelo governo federal para fechar as contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff. A mudança é considerada uma maquiagem contábil e tem risco de ser derrubada na Justiça, mas foi aprovada na madrugada de ontem, na Câmara Federal.

O governo, para ajudar a bancar obras públicas e salários dos servidores, toma dinheiro emprestado de pessoas e empresas com a venda de papéis chamados títulos da dívida pública. Em troca, todo ano paga de volta um pedacinho dos empréstimos e juros com uma poupança chamada superávit primário.

A meta para 2014, fixada ainda ano passado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), era economizar R$ 116,1 bilhões este ano, sendo R$ 49,1 bilhões em dinheiro e R$ 67 bilhões descontando recibos de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Quando o governo definiu a meta, esperava que o Brasil crescesse 4,5% este ano. Mas o resultado real de 2014 será zero. A estagnação derrubou a arrecadação de impostos. Mas o gasto do governo continuou alto. De janeiro a setembro, o governo central (governo federal, Estados e municípios somados) teve um buraco de R$ 15,3 bilhões, o primeiro registrado pelo Banco Central (BC). “O que houve foi um gasto público muito alto e uma arrecadação que não cresceu. As contas não fecharam”, diz Mary Elbe Queiroz, presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários.

Sem dinheiro, o governo resolveu mudar a forma de poupar, para não precisar ter dinheiro no final do ano, só recibos de obras. É que a oposição ameaçava imputar crime de responsabilidade à presidente Dilma Rousseff – a meta da LDO é uma ferramenta da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que veio para moralizar as contas públicas.

“A mudança desmoraliza qualquer esforço para um governo funcionar dentro de parâmetros de equilíbrio das contas. É ilegal e inconstitucional”, afirma o jurista Ives Gandra Martins. Ou seja, o teor e a forma da nova lei violariam outras leis e a Constituição. “Entendo que ela tem um aspecto extremamente negativo do ponto de vista jurídico. O questionamento depende da disposição dos partidos políticos”, avalia.

Filipe Leão é diretor do Unacon Sindical, Sindicato Nacional dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Ele lembra que o governo já usou em outros anos a “contabilidade criativa”, outras formas de maquiagem. “Não é ilegal, mas fere o campo da moralidade. É uma artimanha contábil e o Sindicato é duro com isso, porque não é uma prática transparente”, diz.

de um lado o governo criou um conceito novo de poupança, do outro passou a dar ao mercado sinais de que vai parar de maquiar a situação econômica do Brasil, o que pode custar caro. Ontem a equipe da presidente Dilma Rousseff enviou ao Congresso a segunda revisão do crescimento da economia previsto para 2015: o número inicial, que seria 3%, já havia sido rebaixado para 2% e desta vez foi reduzido para 0,8%.

“Não é ideologia. Antes das eleições eu já dizia: não importava quem vencesse, o País precisaria de ajustes”, explica Jorge Jatobá, ex-secretário da Fazenda de Pernambuco e economista da consultoria Ceplan. A questão, explica Jatobá, é que as manobras do governo não mexem apenas com empresas e cidadãos brasileiros.

“Assim como a China compra títulos dos Estados Unidos, os grandes fundos de pensão americanos compram títulos brasileiros”, explica. Isso implica dizer que a maquiagem das contas públicas brasileiras é acompanhada por investidores estrangeiros. O risco é que a perda de credibilidade do Brasil leve a um dano maior à economia nacional, caso o País perca o grau de investimento.

Trata-se de um título concedido por agências de classificação de risco – são como um “SPC internacional”, que conferem um título de bom ou mal pagador aos países. Se o Brasil perdesse o título, poderia haver fuga de capital e os investidores estrangeiros evitariam o País. É o que justifica Joaquim Levy como futuro ministro da Fazenda e o aumento dos juros pelo Banco Central, conta Jatobá.

“O governo usou uma estratégia legal para não abrir uma frente que poderia levar a questionamentos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O que não impede a oposição de usar o episódio para expor o governo. Faz parte do jogo político. Qualquer governo que estivesse nessa situação buscaria uma manobra legal”, avalia o cientista político Túlio Velho Barreto.

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