Escolher o fornecedor de energia como ocorre atualmente com a telefonia. Eis o caminho que começou a se desenhar para os consumidores brasileiros. No Congresso Nacional estão tramitando dois projetos de lei que estabelecem, gradualmente, a possibilidade de mais consumidores, inclusive o residencial, migrarem para o mercado livre, ambiente no qual o cliente pode escolher a empresa a qual vai comprar energia. Atualmente, os consumidores residenciais fazem parte do mercado cativo e não podem escolher o seu fornecedor. Em Pernambuco, só temos uma escolha: a Celpe.
A mudança vai representar um alívio na conta de luz. A migração, em Pernambuco, hoje, resultaria numa redução média de 15%, segundo simulações feitas no site queroenergialivre.com.br
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“A estimativa de redução do preço da energia ocorre porque a concorrência gera mais eficiência, resultando num produto mais barato”, conta o gerente de Inteligência de Mercado e Gestão da Thymos, Sami Grynwald. A Thymos é uma consultoria especializada em energia. Em trâmite no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 1.917, de 2015, estabelece que o mercado seria livre para os consumidores residenciais a partir de 1º de janeiro de 2022. “No futuro, o consumidor vai poder escolher um plano mais adequado ao seu perfil de consumo e isso também contribui para um preço mais adequado ao serviço”, acrescenta.
Mesmo quando o mercado livre chegar não vai desaparecer a figura da distribuidora por concessão geográfica, como estabelecem os projetos de lei que estão tramitando no Congresso. Atualmente, a Celpe compra a energia – paga pela geração e transporte às empresas que fazem esses serviços – e é remunerada pela distribuição da energia em todo o Estado. É na conta paga à Celpe que os outros serviços são remunerados. No futuro, a Celpe receberá apenas pela distribuição e o consumidor, avaliando preço e qualidade, escolherá a empresa que lhe fornecerá a energia.
A ampliação dos clientes do mercado livre passará a ocorrer, de forma gradual, a partir de 2017 a julgar pelos dois projetos de lei que estão tramitando no Congresso Nacional. Ambos propõem uma série de mudanças que vão resultar na portabilidade para o cliente residencial, redução na cobrança de alguns encargos setoriais cobrados na conta de luz, entre outros.
Mas como é o funcionamento do mercado livre existente hoje? Só empresas com uma conta mensal a partir de R$ 80 mil podem escolher a companhia da qual vão comprar energia. Elas fazem parte de um grupo classificado como “especial”, o qual apresenta um consumo médio de 500 quilowatts (kW) por hora. A energia comprada no mercado livre por esse grupo têm que ser gerada por fontes limpas como eólicas, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), térmicas a biomassa etc. Sem comprar energia renovável, só os grandes consumidores podem fazer parte do mercado livre. Ou seja, os que possuem o equivalente a um consumo médio por hora a partir de 3 mil kW com uma conta mensal entre R$ 600 mil e R$ 750 mil, dependendo da região do País.
Para as empresas, o mercado livre trouxe, em média, uma redução de 21% no preço da conta de energia e uma economia de R$ 42 bilhões no período de 2003 a 2015, de acordo com cálculos feitos pela Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abracel). O consumo dessas empresas corresponde a 25% de toda a energia do País.
“O mercado tende a se abrir. É um caminho sem volta”, diz o diretor da Kroma Energia, Rodrigo Mello. E complementa: “a crise tirou o consumidor da zona de conforto. As empresas estão querendo reduzir custos. Em princípio, os hospitais que não migrariam para o mercado livre, estão migrando. É só um exemplo”, conta.
Comercializadora de energia, a Kroma vende entre 300 e 400 megawatts (MW) por mês e tem atualmente 80 clientes no mercado livre. “A quantidade de energia comercializada dobrou e ocorreu um aumento de 30% no número de clientes, comparando os primeiros nove meses deste ano com o mesmo período de 2015”, revela.
“Sempre defendemos o mercado livre. Mas o setor elétrico como um todo está muito desestruturado. O setor de energia precisa ser racional para quem investe e consome. Defendemos uma reestruturação do setor e regras claras para o mercado livre. As últimas medidas do governo federal no setor elétrico resultaram numa judicialização e todo mundo está perdendo”, reclama o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), Ricardo Essinger, se referindo à MP 579, que resultou na Lei 12.783 que mudou muitas regras e aumentou o preço da energia para o consumidor final, exatamente o contrário do que deveria acontecer.
O que qualquer cliente espera, independentemente do setor, é que haja concorrência. Só ela estimula a qualidade, a eficiência e a queda dos preços.
CONSUMIDOR
Definir a operadora de energia é um desejo de 73% dos brasileiros, segundo uma pesquisa feita pelo Ibope a pedido da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel). Esse foi o resultado de um levantamento que entrevistou 2 mil pessoas de 142 municípios entre os dias 12 e 16 de maio últimos. Na edição anterior, 67% dos brasileiros queriam escolher o fornecedor de energia em 2015. “A gente atribui esse aumento no percentual das pessoas a elevação da tarifa que ocorreu no ano passado. É natural que o consumidor queira reduzir as suas despesas”, conta o diretor técnico da Abraceel, Alexandre Lopes. No ano passado, ocorreu um aumento médio de 40% no preço da energia, dependendo do Estado.
Ainda na pesquisa, 43% acreditam que o preço da energia vai diminuir, caso seja implantado o mercado livre para todos os consumidores. Desse total, 29% afirmam que vai reduzir um pouco e 14% apontam uma diminuição grande no preço do produto. “Em todos os países em que o mercado de energia passou a ser livre, houve redução no preço. A ideia é estender os atuais benefícios do mercado livre a todos”, afirma Alexandre.
Além dos dois projetos de lei, o Ministério de Minas e Energia (MME) iniciou consulta pública nº 21, de 5 de outubro deste ano, pedindo contribuições aos agentes do setor para definir como será essa ampliação do mercado livre. Os interessados podem mandar as suas sugestões até o próximo dia 05 de novembro no site (www.mme.gov.br).
Restrito às empresas, o mercado livre praticado no Brasil foi implantado pela Lei Federal nº 9074 de 1995. Na época, a perspectiva era de uma abertura do mercado a partir de 2003, chegando aos consumidores residenciais do País em 2005, o que não ocorreu. “Com a mudança do governo federal em 2003, esse planejamento foi postergado e adiado”, afirma Alexandre. Ele estava se referindo às alterações que ocorreram no setor elétrico com a saída de Fernando Henrique Cardoso do Palácio do Planalto e o início da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva.
EXPERIÊNCIA AMERICANA
O setor de energia elétrica dos Estados Unidos (EUA) registrou uma redução média de 3,6% no preço do serviço em 22 Estados que adotaram o mercado livre. O levantamento feito pela instituição americana Compete mostrou, por outro lado, uma alta de 8,2% do valor nos Estados sem livre escolha da compra do produto. O estudo considerou todos os tipos de clientes.
Os percentuais levaram em conta o preço da energia no período que vai de 1979 a 2013. Os 22 Estados que adotaram o mercado livre estão entre os maiores consumidores dos EUA. “Lá também há uma curiosidade. Algumas empresas vendem a energia um pouquinho mais cara e os consumidores topam pagar isso porque sabem que estão consumindo energia somente de fontes limpas, renováveis”, conta o diretor da Kroma Energia, Rodrigo Mello.
Os consumidores residenciais foram os maiores beneficiados nos Estados americanos onde há livre escolha, com uma queda de 5,8% no preço da energia. Já nos Estados onde não é possível escolher o fornecedor, foi registrado um acréscimo de 4,3% na tarifa para o mesmo tipo de cliente.
Já na indústria, houve uma queda de 2,5% no preço onde há o mercado livre e alta de 11,4% nos Estados em que não é possível escolher o fornecedor. “O Brasil está em 30º lugar, quando se compara o nível de abertura do mercado livre. Na União Europeia, todos os países foram abrindo o seu mercado”, conta o diretor técnico da Abraceel, Alexandre Lopes.
Os países que mais lideram no mercado livre são os desenvolvidos, principalmente os europeus, com várias posições nos primeiros lugares. Na América Latina, o Brasil não é o único com restrições para participar do mercado livre. Também estão nesse time Uruguai, Chile, Bolívia, México, Peru, República Dominicana, Guatemala e Panamá, entre outros.