VESTUÁRIO

Jumento vira grife no Sertão do Estado

Charles, criador da marca Donkey, já abriu dez lojas no estilo franquia em cinco Estados do Nordeste

Bianca Bion
Cadastrado por
Bianca Bion
Publicado em 02/12/2018 às 5:02
Foto: Divulgação
Charles, criador da marca Donkey, já abriu dez lojas no estilo franquia em cinco Estados do Nordeste - FOTO: Foto: Divulgação
Leitura:

Charles Gomes de Paiva diz que sempre teve vocação para o comércio de confecções. Ganhava a vida vendendo réplicas de camisetas de marcas famosas, mas uma coisa nos produtos despertava inquietação. “Percebi que todas as camisetas tinham o símbolo de um animal. Eu sempre fui fã do jeguinho, sou do Nordeste e vim da roça, o transporte que a gente tinha era o jumento. Em 2009, desenhei o símbolo, fabriquei dez camisas, viajava nas festas, saía divulgando, pedia aos cantores que me ajudassem, dizia que o futuro a Deus pertence. Não tinha como não dar certo”, comenta. E deu.

Hoje, o símbolo do jumento da marca Donkey se espalhou pelo País. Um ano depois de a primeira loja ter sido inaugurada em Petrolina, no Sertão do Estado, Charles já conta com dez franquias (duas ainda serão abertas até o fim deste ano), incluindo duas em Cabrobó e Serra Talhada(PE) e outras no Ceará, Minas Gerais, Sergipe e Bahia. Para 2019, a expectativa é abrir entre 20 e 30 novas lojas e aumentar em 60% a produção.

Hoje, a Donkey produz 3,5 mil camisetas por mês. O portfólio inclui também calça jeans, shorts, bermudas, bonés, sapatos, botas e copos, produzidos em fábricas terceirizadas no Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Bahia. No próximo ano, Charles espera contratar de 15 a 20 pessoas, para somar aos dez funcionários diretos que possui hoje.

A trajetória de sucesso começou com a relação afetiva com o jumento. Quando era jovem, na fazenda em que nasceu e foi criado em Abaré, na Bahia, o animal transportava água, lenha e era a única forma de transporte até uma vila mais próxima, que fica a 12 quilômetros de distância. “O jumento é o símbolo do Nordeste e carregou Jesus Cristo. Devido à divulgação nas redes sociais, as pessoas gostaram da ideia e vieram atrás para fazer parcerias. Pela internet, vendi para quase todo o Brasil, menos Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Já vendi até para fora do País”, conta. Além das lojas físicas e das redes sociais, a Donkey também conta com vendedores que trabalham de porta em porta em todo o Nordeste, espalhando a “marca do jeguinho”, como a empresa é conhecida.

O sentimento de Charles pelo animal é de gratidão. Na fazenda em que foi criado, mantém dois jumentos. “Primeiro, veio a bicicleta e as pessoas abandonaram (o jumento), estão esquecendo as tradições. Na minha casa, isso não aconteceu. A frente da minha loja é toda de taipa, toda regional”, comenta Paiva, orgulhoso. Este ano, registrou crescimento de 32% no faturamento. E para 2019, espera que o resultado seja ainda melhor. A abertura de cinco lojas em 2019 já está confirmada em Pernambuco, Ceará, Bahia e Sergipe. Para abrir um estabelecimento da marca, o investimento pode chegar a R$ 70 mil, a depender do porte da loja.

SÉRIE

Se depender de Charles, o jumento sempre será valorizado. Ele é um dos personagens série Na Contramão, produzida em parceria pela Rima Cultural e a REC Produtores. Os episódio serão exibidos nos dias 12, 13 e 14 deste mês, às 21h, na TV Pernambuco. A série mostra o caminho de marginalização percorrido pelo jumento e as múltiplas realidades que envolvem o animal. Em pouco mais de 10 anos, a população de jumentos caiu quase pela metade: 655 mil, em 2016, para 377 mil em 2017. Hoje, 90% dos jumentos estão no Nordeste. Ao mesmo tempo em que perdeu espaço com o uso mais frequente da moto nas fazendas é considerado uma praga em algumas localidades, o jumento é objeto de um suposto tráfico de pele. Mas também há pessoas como Charles que não abrem mão de ter o “jeguinho” ao lado. O leite da jumenta também é fonte de renda para outros criadores.

“Um ponto de partida foi a curiosidade. Em viagem pelo Sertão, vi muitos jumentos mortos na beira de estrada. Isso me despertou a curiosidade jornalística. Por que só havia jumento morto na estrada? Que fenômeno é esse que leva os animais a estarem soltos e expostos ao atropelamento? Uma primeira hipótese da gente foi a mecanização, a motocicleta que entra no lugar do jumento. Quando fomos mergulhando, descobrimos muito mais. Há suspeita de contrabando de pele porque havia a coisa de medicamento que é fabricado na China, onde há redução muito grande de jumentos. A gente percebeu que o animal estava sendo tratado quase como uma espécie de praga porque perdeu completamente o valor de uso. Encontramos situação de jumentos que tinham donos, eram quase casos pitorescos”, explica o jornalista e um dos roteiristas da série, Ricardo Mello. A equipe da série também conta com roteiro de Rafael Marroquim, direção de Marcelo Pinheiro e fotografia de Ivanildo Machado. Sem destino, o jumento acaba livre, buscando o calor do asfalto para se esquentar e correndo o risco de ser atropelado, ou fica preso em fazendas de confinamento.

“O jumento é um animal andarilho e muito sentido. Quando fica confinado, entra em depressão. Esse confinamento leva à morte”, comenta Mello. “O jumento está na contramão da estrada e da história”, complementa, explicando o título da série.
Além dos episódios na TV, Na Contramão ganhará uma versão em jogo digital, produzida pela empresa pernambucana Kokku Games. Voltado para o público infantil (8 a 12 anos), o Donkey Blast – Na Contramão traz detalhes sobre o jumento e seus hábitos, a partir da interação da garotada com filhotes virtuais.

Últimas notícias