Economia Criativa

Quanto custa colocar o 'bloco na rua' no Carnaval

Agremiações começam cedo a confeccionar fantasias e os custos são altos

Adriana Guarda
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Adriana Guarda
Publicado em 22/09/2019 às 13:54
Foto: Bianca Sousa/JC Imagem
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Desenhos, lantejoulas, linha, agulha e miçanga. Quem vê a figura misteriosa do caboclo de lança no Carnaval de Pernambuco não imagina quanto trabalho, dedicação e investimento tem empregado na arrumação (fantasia) do guerreiro do maracatu de baque solto. O manto multicolorido que carrega sobre os ombros (se feito numa peça menor) leva, em média, um mês e meio para ser bordado, num jogo de paciência de colocar, uma a uma, 75 mil lantejoulas e 75 mil miçangas. A cabeleira começa a ser produzida com um prosaico chapéu de palha que recebe fitas metálicas (os chicotes) e confere uma das principais identidades do personagem. E por fim vem a guiada (lança), com pelo menos umas 350 fitas amarradas uma por uma. Só pela descrição da fantasia do caboclo é possível entender por que o Carnaval nas agremiações começa assim que a folia termina.

Dentro do universo do baque solto desde os 3 anos, Luiz Fernando da Silva, vice-presidente do maracatu de baque solto Cambinda Brasileira, conta que a preparação para a Folia de Momo do ano seguinte se inicia assim que sai o resultado do Concurso de Agremiações do Carnaval do Recife, na quinta-feira após a Quarta de Cinzas. Em 2019, a Prefeitura ofereceu R$ 3 milhões em subvenção para 255 agremiações, entre escolas de samba, blocos de pau e corda, tribos de índios, troças carnavalescas, maracatus de baque solto, maracatus de baque virado, clubes de frevo, clubes de boneco, caboclinhos, bois e ursos para participarem do concurso, que premia três grupos em cada uma das 40 categorias em que os grupos são distribuídos.

“Este ano ficamos em segundo lugar no grupo especial e perdemos por três décimos. No mês passado fomos reconhecidos como Patrimônio Vivo de Pernambuco e vamos caprichar com novidades. No Cambinda começamos primeiro com a confecção das golas dos caboclos, vestidos, bandeiras, chapéus e, depois, as guiadas”, detalha, dizendo que a expectativa não é investir menos de R$ 40 mil para 2020.

No Águia Misteriosa, o fundador José Rufino de Melo se emociona com as conquistas do maracatu. Este ano, o grupo ficou em primeiro lugar no Grupo 1 e conseguiu a façanha de tirar nota 10 em todos os 18 quesitos avaliados pelo júri. Aos 86 anos de idade, Zé Rufino continua bordando golas e disposto a inovar, seja nas fantasias, seja no acolhimento das ideias dos mais jovens, como o Mestre Anderson Miguel.

Reconhecido como um dos maracatus mais bonitos no universo do baque solto, o Estrela Dourada de Buenos Aires sofreu um baque este ano e ficou em quinto lugar no grupo especial. “Eu fiquei muito triste e quase pensei em desistir, porque a gente faz um esforço tão grande, pega empréstimo, cai na mão de agiota, faz rifa, bingo, recebe ajuda da comunidade pra botar o maracatu na rua e é injustiçado no julgamento”, lamenta o presidente José Modesto da Silva Filho. Mestre de apito de maracatu desde 1993 e artesão de mão cheia, Barachinha alerta para a necessidade de dar maior atenção a grupos que estão em menos evidência e de retirar regras burocráticas como a comprovação de cachê para receber valores melhores pelas apresentações. “Maracatu de baque solto é uma cultura nobre mantida por gente pobre. Ainda estamos aqui graças a nossa resistência”, alerta.

Neném Modesto percorre mais de 40 km da sede do Estrela Dourada em Buenos Aires até um engenho na zona rural de Vicência em busca de penas de pavão para confeccionar os chapéus dos arreiamás (caboclos de pena) do maracatu. As aves macho chegam a ter até dois metros de cauda e em torno de 200 penas. Por volta de janeiro, no final do ciclo reprodutivo, as penas caem e a dona do engenho vende aos maracatuzeiros. No criatório, uma pena custa R$ 2,00 enquanto nas lojas varia entre R$ 3,50 e R$ 4,00. “As pessoas pensam que a fantasia mais cara é a do caboclo de lança, mas a do arreiamá é muito mais. Dependendo do volume do penacho, que pode ter de 2 mil a 5 mil penas, o valor pode chegar a R$ 20 mil”, calcula.

Se no baque solto o custo maior com as penas está na fantasia do arreiamá, no caboclinho ela é peça fundamental em quase todas as fantasias. “Isso faz com que o desfile dos grupos se torne muito caro. Este ano estamos que nosso gasto vai ficar na casa dos R$ 75 mil, porque os adereços para as fantasias ficam cada vez mais caros. Já faz tempo que não compro mais as plumas no Estado. Em julho viajei para buscar no Rio e também compro em São Paulo e Minas Gerais. Em alguns casos leva três meses para chegar, por isso precisamos trabalhar com antecedência, assim que termina o Carnaval. Trabalhamos com penas de avestruz (plumas), ema, rabo de galo, galo, faisão e cisne”, destaca o diretor da Tribo Indígena Carijós do Recife, Pai Clóvis de Oxum. Segundo ele, um quilo de pluma custa R$ 2,5 mil e a pena mais nobre é a do faisão, vendida por algo entre R$ 35 e R$ 40 a unidade.

Este ano, o caboclinho mais antigo do Recife, fundado em 1897, recebeu o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco e quer fazer bonito no Concurso do Recife em 2020. “Fazer Carnaval em Pernambuco é caro e difícil, mas com amor, carinho e dedicação a gente leva o caboclinho para a avenida”, diz Clóvis. Em 2020, a expectativa é desfilar com 180 a 200 integrantes e trazer um número de fantasias novas, além da exigência do concurso. O carnavalesco do Carijós, Carlos Eduardo Lino, adianta que já estão com fantasias de 22 destaques, 52 cocares, roupa de rei e rainha novos, além dos trajes do terno (grupo de músicos). “Precisamos inovar e vir cada vez mais bonitos. No caso do caboclinho começamos com a parte de bordados e pedraria para depois emplumar. Mais de 70% do trabalho é manual, por isso leva muito tempo pra deixar tudo pronto”.

BAQUE VIRADO

Rainha, presidente, matriarca e referência na ‘alta costura’ do baque virado, Marivalda Maria dos Santos, é há 24 anos a mulher-força da nação Estrela Brilhante do Recife, no Alto José do Pinho. A costureira trouxe para dentro do maracatu a experiência que aprendeu como costureira de escola de samba. Hoje, junto com Ary Poscalli e outras pessoas da comunidade, veste os 200 batuqueiros e os 150 integrantes da corte do Estrela. Para dar conta de tudo, a produção começa no mês de junho e segue até perto do Carnaval. Do meio do ano até agora já foram confeccionadas 150 peças para 2020.

“As lojas de aviamento, como a Cabuz e as Brasileiras, foram fechando e o mercado ficou concentrado. Os preços subiram e, para muitos produtos, vale a pena pegar um avião e ir comprar no Rio. As coisas também se complicaram com a mudança de regra das bagagens porque ficou mais caro embarcar mais malas. Ainda assim, tem aviamentos que custam sete vezes menos no Rio. Mas é isso. O Carnaval tem seus direitos, quem não pode com ele não se mete. Fazer Carnaval em Pernambuco é amar o Carnaval. Eu como gosto que minha nação esteja sempre entre os dois primeiros lugares no Concurso do Recife tenho que lutar”, confia Marivalda. Este ano, o Estrela Brilhante ficou em primeiro lugar no grupo especial. 

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Carlos Eduardo, carnavalesco da Tribo Carijós, começa cedo a preparar as fantasias - Foto: Bianca Sousa/JC Imagem
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Maior custo do caboclinho é com a compra de penas para as fantasias - Foto: Bianca Sousa/JC Imagem
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Roupa da corte também integra fantasia do caboclinho - Foto: Bianca Sousa/JC Imagem
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Bordados, colagens e plumagens na glamurosa fantasia do caboclinho - Foto: Bianca Sousa/JC Imagem
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Gola do caboclo de lança pode demorar um mês e meio para ser concluída e levar 75 mil lantejoulas - Foto: Bianca Sousa/JC Imagem
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Vice-presidente do Cambinda Brasileira e jovem artesão, Luiz Fernando capricha nas golas e vestidos - Foto: Bianca Sousa/JC Imagem
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Aos 86 anos, fundador do Águia Misteriosa, Zé Rufino, ainda borda e é memória viva do baque solto - Foto: Bianca Sousa/JC Imagem
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Zé Carlos, do Águia Misteriosa é folgazão e artesão - Foto: Bianca Sousa/JC Imagem
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Montagem de surrão no águia Misteriosa - Foto: Bianca Sousa/JC Imagem
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Mestre de apito, Barachinha é referência no baque solto, cuidando do grupo das loas ao artesanato - Foto: Bianca Sousa/JC Imagem
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Coroas criadas pelos artesãos do Estrela Dourada de Buenos Aires - Foto: Bianca Sousa/JC Imagem
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Produção de chapéus no Estrela Dourada de Buenos Aires - Foto: Bianca Sousa/JC Imagem
Vestidos do Estrela Dourada de Buenos Aires -
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Rainha Marivalda dos Santos comanda as criações e a máquina de costura no admirado Estrela Brilhante - v
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Casa Lapa é ponto de encontro das agremiações carnavalescas - Foto: Bianca Sousa/JC Imagem
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Dólar encareceu preço das penas e muitos grupos estão trazendo de outros Estados - Foto: Bianca Sousa/JC Imagem

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