Foto: Reprodução/Internet
A corriqueira disputa de bola ocorreu na linha de fundo, quando o placar da partida São Paulo x São Caetano marcava 0 a 0. Segundos depois, o zagueiro Serginho, de 30 anos, abaixou-se, levou as mãos aos joelhos e caiu no gramado do estádio do Morumbi. Até o goleiro Silvio Luiz cobrar o tiro de meta foi preciso esperar uma semana e passar pela dolorosa experiência de assistir à morte de um jogador em plena atividade. Há exatos 10 anos, problemas no coração de Serginho o levaram à morte após uma parada cardiorrespiratória.
Mesmo com o processo arquivado pela Justiça, o caso não está esclarecido. A reportagem entrou em contato com 14 personagens daquela noite de 27 de outubro de 2004 para reconstruir o episódio. Os relatos trazem à tona versões diferentes sobre o que teria ocorrido nos meses anteriores à morte.
Mesmo com o processo arquivado pela Justiça, o caso não está esclarecido. A reportagem entrou em contato com 14 personagens daquela noite de 27 de outubro de 2004 para reconstruir o episódio. Os relatos trazem à tona versões diferentes sobre o que teria ocorrido nos meses anteriores à morte.
A família, alheia às polêmicas, reuniu-se para relembrar os bons momentos. Neste domingo, em Serra (ES), na casa dos pais de Serginho - Ana e Virgílio, ambos de 78 anos -, os 10 irmãos vestiram camisas para homenageá-lo. O fato, porém, não apagou uma brusca ruptura. A viúva Helaine Cunha e o filho Paulo Sérgio não compareceram.
A morte dividiu em “dois lados” a família de Serginho. Helaine, que não respondeu aos pedidos de entrevista, perdeu o contato com os ex-cunhados. O clube pagou a ela os salários previstos até dezembro de 2005 (R$ 60 mil mensais). Com parte dos ganhos, ela ajudou a pagar por quatro meses o plano de saúde dos pais do jogador. “Ninguém pensou em entrar na Justiça. Isso não iria trazer o Serginho de volta. Os 10 irmãos continuaram a suas vidas. Ninguém queria dinheiro. Nos juntamos para pagar o plano” afirmou Daniel Ribeiro, irmão do zagueiro.
Daniel também relembrou os meses que antecederam a tragédia. De acordo com ele, Serginho se mostrava tranquilo quando visitou a família, em julho de 2004. “Ele disse para nós que fez o exame e foi constatada uma pequena arritmia, mas sem gravidade. Ele continuou tomando a medicação e jogando. Se falassem do problema grave, ele pararia de jogar futebol”, frisou.
VERSÕES - A descrição dos fatos que levaram à morte do jogador tem versões variadas. Depois do ocorrido, o promotor Rogério Zagallo denunciou o então presidente do São Caetano, Nairo Ferreira de Souza, e o médico do clube, Paulo Forte, por homicídio com dolo eventual. Nesta condição, os autores assumem o risco de produzir o crime.
“Em 2005, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) reclassificou o caso para homicídio culposo, sem intenção de matar. Mas depois o caso foi arquivado”, contou o promotor. As únicas punições aplicadas foram pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).
No Campeonato Brasileiro de 2004, o São Caetano perdeu 24 pontos. O presidente ficou 2 anos sem poder exercer as suas funções e o médico, por quatro. Tempo depois, a pena de ambos foi reduzida à metade e a dupla atualmente retornou ao clube e desempenha as mesmas funções de 10 anos atrás.
Nairo ressalta que não sabia da gravidade e afirmou que o problema ocorrido com Serginho no Morumbi não havia sido detectado nos exames realizados em fevereiro, no Incor, quando foi apontada uma arritmia leve. A causa da morte, segundo os médicos, foi uma cardiomiopatia hipertrófica. “Os exames que detectam tal doença estavam normais em fevereiro de 2004”, disse Paulo Forte, em nota, ressaltando que a doença se desenvolveu após o exame.
Segundo o presidente, a punição foi injusta porque nada foi apurado. O dirigente e o médico Paulo Forte classificam a morte como “fatalidade”, mas Nairo criticou a conduta do Incor, pois, segundo ele, após a morte os médicos mudaram o discurso ao dizer que Serginho não estava apto a jogar. Procurado pela reportagem, o médico Edimar Bocchi, responsável pelos exames do Incor, não quis voltar ao assunto e disse apenas que o zagueiro “estava no céu e o caso, encerrado”.
Para os colegas de São Caetano, os possíveis problemas do defensor nunca foram explicados. “O Serginho costumava ficar ausente de alguns treinos na época para fazer exames. Mas nunca soubemos do perigo”, disse o ex-lateral-direito Anderson Lima. Já o zagueiro Dininho elogiou as condições físicas do companheiro. “Ele era um ‘leão’ e se dedicava muito nos treinos”.
As únicas ações que ainda tramitam são contra seguradoras. Em 2012, o advogado da viúva do jogador, Marcelo Robalinho, ganhou o processo na Justiça contra as empresas, que se negavam a pagar seguro de vida por entenderem que Serginho sabia dos problemas cardíacos.
JOGO - Uma semana após a tragédia, os jogadores precisaram voltar ao Morumbi para jogar os 31 minutos restantes da partida - que estava 0 a 0 e terminou 4 a 2 para o São Paulo. Muitos deles não queriam entrar em campo. “A maioria foi contra. Teve gente que pediu para não jogar. Fomos obrigados, poderíamos perder mais pontos”, relembrou Dininho.
Segundo o técnico do São Caetano na ocasião, Péricles Chamusca, foi difícil controlar o emocional do time. O árbitro Cleber Wellinton Abade também admitiu a dificuldade. “Trouxe lembranças mas a função de árbitro exige que se tenha um bom preparo psicológico”.