Um campinho como tantos outros, que conheceu um craque como nenhum outro. Naquela terra batida de Caetés III, em Abreu e Lima, onde a pouca grama serve de pasto para cavalos, o moleque Cleber Santana plantou seu sonho. Os pés empoeirados do garoto franzino marcaram as peladas do bairro tanto com golaços quanto com chutes tão fortes que chegavam a quebrar as telhas das casas vizinhas. Nesta terça-feira (29/11), o campo estava vazio, assim como era a sensação dos que fizeram parte da história do jogador, um dos dois pernambucanos mortos no trágico acidente aéreo com a delegação da Chapecoense, em Medellín, na Colômbia. O outro foi Kempes.
>>> Amigos relembram início de Cleber Santana em campinho de Abreu e Lima
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“Nós éramos vizinhos e foi ele quem me trouxe para esse campo pela primeira vez quando cheguei em Caetés III. Jogamos muito aqui. Ele sempre foi bom de bola e pintava miséria com os zagueiros. Mas não humilhava ninguém. Pelo contrário, sempre aconselhava a meninada a procurar algum clube para ser alguém na vida”, contou o colega de peladas José Augusto da Silva. O vizinho lembra que a primeira chuteira que teve foi dada por Cleber. Gesto repetido incontáveis vezes no bairro. “Mesmo jogando longe, ele nunca esqueceu da gente. Mandava um saco de chuteiras e pedia pra dar a todo mundo que não tinha. Ajudava até com passagem para os meninos irem treinar ou fazer testes. Todo fim de ano aparecia aqui pra uma pelada com os amigos. É difícil pensar que ele não vem mais”, completou.
O passeio pelo campo, e pelas lembranças, de súbito é interrompido por gritos. Do outro lado, atrás de uma das barras, uma senhora em frente a uma casa chama a equipe de reportagem do JC aos berros, apontando para o telhado da humilde residência. Ao se aproximar, dona Cremilda Fideles, 54 anos, explica o que quis mostrar. “Tá vendo essas telhas daí da minha casa? Perdi as contas de quantas vezes elas foram quebradas pelo danado do Cleber! Aquele menino tinha um chute muito forte. Como a barra não tinha rede, várias vezes a bola ia parar lá na minha casa que fica bem atrás”, contou a senhora, não em tom de reclamação, mas de saudade.
O motivo de não ter guardado rancor da potência do garoto era a preocupação e o compromisso dele. “Ele vinha buscar a bola e chegava pra mim calmamente falando: ‘não se preocupe, nós vamos pagar, quantas telhas quebraram?’ E sempre depois ele pagava, tudo certinho. Aí quando eu dizia pra chutar mais devagar, ele respondia: ‘Calma, isso é só o começo, eu ainda vou chegar longe!’”, recordou dona Cremilda, para em seguida trocar o semblante de alegria pelo de tristeza. “Cleber foi tudo pra gente aqui no bairro. Um exemplo de pessoa que vai deixar muita saudade”, completou, com a voz embargada.
DESESPERO NA CASA DA MÃE
Na casa da mãe de Cleber, Marinalva Santana, em Ouro Preto, Olinda, o clima foi de consternação durante todo o dia de ontem. Ela, inclusive, passou mal ao saber do acidente do filho e teve que ser hospitalizada. O irmão do jogador, Cleibson Santana, reuniu forças e falou com a imprensa sobre a dor da família. “Estava em casa dormindo quando às cinco da manhã um amigo me mandou mensagem por telefone. Ao ligar a televisão, só falavam nisso aí começou o desespero. Minha mãe não sabia, ninguém da família sabia. Como meu pai faleceu, Cleber praticamente me criou. Mais do que irmão, ele é um pai pra mim. Fazia três dias que tinha falado com ele”, recordou.
O irmão afirmou que Cleber sempre procurava se fazer presente. “Ele sempre vinha aqui final de ano. No jogo contra o Santa Cruz mesmo apareceu em casa. Estava previsto pra chegar aqui lá pro dia 15”, contou. Sobre o sepultamento, Cleibson informou que sua cunhada, Rosângela Loureiro, vai seguir de Chapecó para a Colômbia para ajudar no reconhecimento do corpo. “Ela vai lá buscar informações e vamos ficar aguardando”, disse, sem confirmar onde o jogador seria enterrado. O Sport ofereceu o salão nobre do clube para realizar o velório do ex-atleta rubro-negro.