POLÊMICA

Árbitro de vídeo, um caminho sem volta

Pernambuco foi o pioneiro no uso do recurso no Brasil

Leonardo Vasconcelos
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Leonardo Vasconcelos
Publicado em 09/07/2017 às 8:37
Diego Nigro / JC Imagem
Pernambuco foi o pioneiro no uso do recurso no Brasil - FOTO: Diego Nigro / JC Imagem
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Um retângulo desenhado no ar. Assim Pernambuco entrou para a história. O gesto feito pelo árbitro José Woshington, na Ilha do Retiro, no dia 7 de maio e repetido no dia 28 de junho, por Wilton Pereira Sampaio, no Cornélio de Barros, foi um marco para o futebol brasileiro. As duas partidas decisivas do Campeonato Pernambucano tiveram pela primeira vez a experiência do árbitro de vídeo no país. O Sport foi campeão em campo, mas o Tribunal de Justiça Desportiva de Pernambuco-TJD determinou que a Federação não homologasse o título do Leão, acatando uma ação do goleiro Luciano, do Salgueiro, que contestou a anulação de um gol dos sertanejos. Por tabela, o fato só fez aumentar a polêmica e a discussão em torno do uso da tecnologia.

Até a Copa das Confederações encerrada há exatamente uma semana na Rússia não ficou imune as críticas quanto à utilização do recurso (veja abaixo). Voltando ao primeiro jogo da decisão do Estadual, o juiz recorreu ao vídeo para assinalar pênalti a favor do Salgueiro. No segundo veio justamente a anulação do gol do Carcará. Em ambos houve demora para a decisão da arbitragem de vídeo. Lances exaustivamente repetidos. Igualmente discutidos. Surpreendentemente ainda inconclusivos.

A razão vai para além das telas e se projeta em quem as vê. O tal componente humano. Que sempre vai existir e, inclusive, dá a palavra final. Todavia para o presidente da Escola Nacional de Árbitros e autor do projeto de árbitro de vídeo da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Manoel Serapião Filho, que inclusive esteve presente acompanhando os dois jogos, o experimento representou um marco. E positivo.

Procurado pela reportagem do JC, o ex-árbitro fez uma análise mais profunda da experiência no Estado. “Foi um grande passo na história do futebol dado em Pernambuco. Trata-se de um caminho sem volta. O árbitro de vídeo já é uma realidade e é inevitável o seu uso. Do ponto de vista experimental, considero os testes extremamente positivos. Deixa-se um legado e, ainda mais importante, um aprendizado”, afirmou Serapião.

O presidente da Escola Nacional de Árbitros foi franco ao comentar o que achou certo e errado nos lances polêmicos em que o vídeo foi solicitado. “No primeiro jogo, o lance da marcação do pênalti para mim foi interpretativo e, portanto, na minha concepção, não deveria ser objeto de análise pelo vídeo. Sem contar que houve uma demora muita grande para a decisão final. Não pode. No segundo jogo não. A saída de uma bola é um fato. Ou saiu ou não. Agora se não houve prova inequívoca disso tem que se respeitar a decisão dos árbitros em campo no momento do lance. E foi o que aconteceu”, comentou Serapião.
Sobre o futuro do recurso, ele enfatizou que antes da implementação definitiva são necessários mais testes. “Essa decisão cabe à CBF, mas acho necessário investir na formação técnica dos árbitros de vídeo”, finalizou Serapião.

Fifa quer árbitro de vídeo na Copa 2018

Há exatamente uma semana, o mundo via os alemães erguendo o troféu da Copa das Confederações, na Rússia, pelas câmeras que deixaram de ser coadjuvantes e também viraram protagonistas do evento. Sim, as lentes que antes apenas retratavam, agora têm o poder de mudar as partidas. E como alteraram. Não só os jogos, como a forma de assisti-los. Bastava o juiz fazer o sinal de um retângulo no ar para se instaurar a tensão. Mais uma vez entraria em ação o árbitro de vídeo.

E é bom tanto os jogadores quanto o público se acostumarem com a cena, pois a Fifa já sinalizou várias vezes que a tecnologia deverá ser utilizada na Copa do Mundo de 2018. “Não há obstáculos no caminho de usarmos o árbitro de vídeo na Copa, pelo que tenho percebido. Estamos aprendendo, estamos aperfeiçoando, estamos continuando com os testes. Fizemos história aqui na Rússia com o vídeo”, afirmou o presidente da Fifa, Gianni Infantino. Apesar da indicação da Fifa, o uso do árbitro de vídeo no Mundial da Rússia só será definido após a reunião do Conselho da Associação Internacional de Futebol (Ifab, na sigla em inglês), responsável pelas leis do esporte, em março do próximo ano. Até lá a Fifa deverá se aprofundar nos testes que até agora, segundo ela, foram um sucesso.

O diretor de arbitragem da Fifa, Massimo Busacca, aprovou a tecnologia, mas defendeu ajustes. “Em geral temos resultados realmente bons, mas com certeza muitos aspectos devem ser melhorados”, disse Massimo. De acordo com ele, em 12 partidas da fase de grupos da Copa das Confederações, os árbitros de vídeo ajudaram a corrigir seis “decisões que mudariam o jogo” e decidiram acertadamente em 29 outros “incidentes sérios” com a ajuda da tecnologia.

Os “acertos”, todavia, não acabaram com as polêmicas em alguns jogos. O árbitro de vídeo anulou um gol que pareceu legítimo durante a vitória do Chile sobre Camarões por 2x0 no dia 18 de junho, e ele foi usado novamente no final do confronto para reverter um impedimento dado por um juiz de linha. Ou seja, o vídeo mostrar não é garantia da polêmica cessar.

Holanda e Portugal saíram na frente

O passo que o Brasil, ainda reticente, estuda dar, já foi dado pela Holanda e será acompanhado por Portugal. Os holandeses montaram o projeto de uso de árbitro de vídeo ainda em 2011, iniciaram as experimentações em 2014 e desde o ano passado já utilizam o recurso em jogos oficiais. Os portugueses, por sua vez, anunciaram que o próximo campeonato nacional usará a tecnologia em todas as partidas, o que vai representar um investimento de aproximadamente R$ 2,1 milhões.

A federação de futebol da Holanda é pioneira no uso de vídeo na arbitragem. O embrião surgiu há seis anos e as conversas com a Fifa tiveram início em 2013. No ano seguinte, foi iniciada a primeira fase de testes denominada de “offline”, porque o árbitro que assistia aos jogos não tinha comunicação com o juiz em campo. Nesse período, os holandeses analisaram quais os lances em que seria mais viável haver interferências. A partir dessa experiência é que se convencionou usar o recurso em quatro situações: irregularidades em gols, decisões sobre marcações de pênaltis, aplicações de cartões vermelhos direto e revisões de punições.

Após a apresentação dos resultados do estudo, a Fifa autorizou a Holanda a fazer testes oficiais em partidas com os árbitros de vídeo e de campo conectados. O primeiro jogo foi entre Ajax e Willem II, pela Copa da Holanda, no dia 21 de setembro do ano passado. Não por acaso um holandês foi escolhido para ser o responsável pelo desenvolvimento técnico da Fifa. O ex-atacante Marco van Basten, campeão em times e na sua seleção, quer que a tecnologia também seja vitoriosa.

“O futebol virou um negócio e há muito dinheiro em jogo. E as decisões que precisam ser tomadas no campo, às vezes, são difíceis para o juiz. Logo, isso é melhor para o juiz e eu acho que no fim do jogo é melhor para todos. É mais honesto. E é o que todos queremos”, disse Van Basten.

A segunda liga europeia a usar o recurso será a de Portugal. Depois de testes, a federação confirmou a utilização em todas as partidas do torneio que começa em agosto. A ideia a longo prazo é que o todo monitoramento seja feito a partir de um complexo chamado Cidade do Futebol. Porém, nas primeiras rodadas está previsto que uma unidade móvel com monitores seja levada aos estádios.

Outros esportes dão grandes exemplos

O que o futebol ainda pondera em usar já é rotina há muito tempo em diversos outros esportes. O uso da tecnologia em decisões de arbitragem em várias modalidades se tornou tão comum que é até difícil imaginar como seriam as disputas sem o importante auxílio do monitoramento por vídeo. Esportes igualmente populares como o basquete, vôlei, tênis e futebol americano já mostraram o caminho que o futebol por enquanto ainda hesita em trilhar.

Foi justamente a versão americana do futebol uma das precursoras. A NFL (liga de futebol americano) é uma das mais antigas a adotar o uso do vídeo nas partidas. Registros levam a crer que o primeiro teste foi realizado em um jogo isolado em 1976. Dois anos depois, houve experimentações em partidas da pré-temporada e no ano seguinte veio a regulamentação na temporada regular. O sistema utilizado é o de desafio. Cada time tem direito a dois por jogo, que devem ser feitos pelo técnico ao atirar uma toalha vermelha no campo. Na liga de basquete dos Estados Unidos, o uso dos vídeos também é rotina. Na NBA, os árbitros são aconselhados a revisar os lances duvidosos, principalmente quando o relógio está zerando.

Em 2006, o tênis começou a recorrer ao recurso para ajudar a esclarecer dúvidas em lances polêmicos devido a grande velocidade da bola. O desafio acontece quando o jogador discorda da marcação do árbitro e pede a revisão da jogada. O próprio árbitro também pode solicitar o auxílio. A tecnologia chamada de Hawk-Eye (olho de águia) é composta por várias câmeras que por meio de um programa de computador traçam a rota da bola para saber se ela caiu dentro ou fora da quadra. A mesma tecnologia passou a ser usada também no vôlei em 2012. Nele cada equipe pode desafiar pelo menos duas vezes por set a decisão da arbitragem.

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