Superação

Rafaela Silva, a campeã olímpica que deu ippon no racismo

Após desclassificação por um golpe ilegal na Olimpíada de Londres, judoca se deparou com comentários preconceituosos em sua rede social

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Publicado em 08/08/2016 às 21:21
Foto: Jack GUEZ / AFP
Após desclassificação por um golpe ilegal na Olimpíada de Londres, judoca se deparou com comentários preconceituosos em sua rede social - FOTO: Foto: Jack GUEZ / AFP
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"Lugar de macaco era na jaula e não na Olimpíada", essa frase, postada numa rede social, marcou para sempre a vida de Rafaela Silva. Quatro anos depois de ser vítima de racismo após uma desilusão nos Jogos de Londres-2012, a menina da Cidade de Deus deu a volta por cima em casa, no Rio, com a medalha de ouro no peito.

A carioca de 24 anos viveu o pior dia de sua carreira no dia 30 de julho de 2012. Na capital inglesa, ela despontava como uma das favoritas da categoria até 57 kg, mas foi desclassificada por causa de um golpe ilegal, quando atacou com as mãos as pernas da adversária.

Inconsolável, ela desabou no tatame por longos minutos e precisou ser amparada para deixar a zona de competição, chorando e gritando de desespero.

Mas a dor maior veio poucas horas depois, quando foi buscar conforto nos familiares e amigos nas redes sociais e se deparou com comentários insuportáveis.

"Ele falaram que judô não era para mim, que eu era uma vergonha para minha família, que lugar de macaco era na jaula e não na Olimpíada. Mas o ícone do meu esporte é o francês Teddy Riner, que é negro, então não faz o menor sentido", lembrou Rafa.

Sonho frágil

Quando perguntada se a situação em relação ao racismo melhorou quatro anos depois, ela deu uma resposta que mostra que os problemas de preconceito no país estão muito longe de ser resolvidos.

"Durante essa Olimpíada, preferi não acessar muito a Internet, justamente por causa desses comentários desnecessários. Eu estava com foco, queria me concentrar bem, fazer uma boa competição", revelou.

Manter o foco nem sempre foi fácil para a menina nascida e criada na Cidade de Deus, comunidade da zona Oeste do Rio, a poucos quilômetros do Parque Olímpico.

Ela começou a praticar judô aos cinco anos, "como uma brincadeira", uma forma de usar no bom sentido a energia dessa criança briguenta, que não hesitava em bater nos meninos. Foi no Instituto Reação, do ex-judoca Flávio Canto, medalhista de bronze nos Jogos Atenas-2004.

"Penso em familiares meus que moram na Cidade de Deus e não conseguiram comprar ingresso para estar aqui. Penso nas crianças, porque não temos muitos objetivos, na Cidade de Deus. Quem vive lá dentro não tem muita coisa", emocionou-se Rafa, depois de conquistar o ouro olímpico.

"Se uma criancinha tem um sonho, mesmo que demore, tem que continuar acreditando, porque se batalhar, a gente consegue. Como aconteceu comigo. Eu não consegui realizar meu sonho em Londres, mas aconteceu quatro  anos depois, aqui no Rio", ressaltou.

Duas consagrações em casa

Na verdade, por pouco o sonho de Rafa não virou pesadelo completo. Depois da desilusão de Londres, a judoca, então com apenas 20 anos, pensou até em abandonar a carreira.

"Pensei que fosse largar o judô. Eu conheci uma coach, Nell Salgado, que trabalha como voluntária no Instituto Reação, que me fez uma simples pergunta: se eu me imaginaria fora do judô. Foi assim que caiu a ficha e voltei a treinar", recordou.

O resultado não demorou a chegar: um ano depois, no Rio, ela se tornou a primeira mulher brasileira a conquistar um título mundial.

Depois dessa conquista, ela perdeu novamente o foco, mas conseguiu colocar a cabeça no lugar na hora certa, para brilhar novamente em casa.

"Desde meu título mundial, caí bastante no ranking, não vinha muito bem nas competições, mas nesse último ano eu me dediquei bastante. O objetivo era conquistar minha vaga. Quando a vaga foi garantida, só queria representar bem todo o povo brasileiro e, se Deus quiser, acabar com a medalha. Hoje, a medalha está aqui", comemorou Rafa.

No lugar mais alto do pódio olímpico, a jovem judoca chorou muito quando ouviu o hino nacional. Dessa vez, eram lágrimas de alegria, símbolo de uma grande vitória sobre o preconceito.

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