Personagem que se torna representativo de determinado comportamento, aquilo que por analogia substitui algo, imagem que designa outro objeto por relação de semelhança. Estes são alguns dos significados de símbolo para o dicionário. Todos perfeitamente aplicados à Dona Maria, torcedora-símbolo do Sport. É impossível não pensar em um e não visualizar o outro. Ambos foram unidos por um amor...antigo. Aos 94 anos, uma das torcedoras mais conhecidas do Leão começou a frequentar a Ilha do Retiro em 1950 e na próxima terça-feira vai ganhar uma justa homenagem: o título de sócia benemérita, a maior comenda do clube.
Antes de receber a homenagem, ela recebeu a equipe de reportagem do JC em sua casa, em Afogados. O termo casa é uma mera formalidade porque na verdade trata-se quase de um santuário do Sport. Tudo em vermelho e preto. “Já gostei de você, se veste bem, tá bonito!”, disse, brincando, Dona Maria ao receber o repórter vestido, por acaso, com camisa nos tons do time, na porta da residência. Ao adentrar a sensação é de se estar em um túnel do tempo, com inúmeras fotos nas paredes da torcedora em várias épocas diferentes na Ilha do Retiro, sua segunda (ou seria a primeira?) casa.
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O escudo e as cores do clube estão presentes em todos os objetos e cômodos da modesta casa. Paixão no que se vê e até no que se come. Dona Maria fez questão de mostrar as panelas pretas e vermelhas na cozinha. Voltando à sala, foi explicado o motivo da visita: contar um pouco da história dela. “É? Apois se sente que a conversa é longa!”, avisou, puxando a cadeira. Devidamente acomodados, ela explicou que Maria José de Oliveira nasceu no dia 23 de janeiro de 1925, em Nazaré da Mata, Zona da Mata de Pernambuco, mas Dona Maria só nasceu em um “bendito dia” em 1950, na Ilha do Retiro.
Logo depois de nascer foi para Carpina, na mesma região, onde foi criada e onde ela criou o gosto por futebol. Pelo esporte. Ainda não pelo Sport. A supressão da última letra da palavra veio depois de muita pressão. Se dependesse de influência seria tricolor. Todas as amigas torciam pelo Santa Cruz e faziam de tudo para induzi-la. Até que um dia foram assistir a uma partida entre os times do Sport e do Santa Cruz da própria cidade e foi aí que Dona Maria se apaixonou. “Quando vi aquela camisa vermelha e preta achei linda. Meus olhos chega brilharam. Minhas amigas ainda tentaram me fazer mudar de opinião dizendo que o time era o leão, um animal mau que comia gente. Eu disse que não queria saber e a partir daquele momento eu era Sport!”, relembrou.
Com 24 anos, Dona Maria ficou literalmente mais perto de seu amor. Ela veio para o Recife trabalhar como empregada doméstica na casa de uma família na Boa Vista. Como os patrões eram alvirrubros e ela não conhecia ninguém, a auto-intitulada “matuta na cidade grande” tinha receio de ir a um estádio sozinha. Até que no citado bendito dia de 1950 ela tomou coragem de ir conhecer o “Sport rico”, diferente daquele que via em Carpina. Quando entrou na praça esportiva pela primeira vez se emocionou. “Eu fiquei impressionada com aquele campo cheio, todo mundo de vermelho e preto gritando. Esse Sport é grande e rico. Eu pensei: Ave Maria, aqui é meu lugar, quero voltar pra casa mais não”, recordou.
A SOMBRINHA
Desde esta primeira vez, levou consigo um objeto que já virou parte da indumentária: a sombrinha. “Menino, isso é coisa de matuto mesmo, pra me proteger do sol. Mas depois comecei a pintar e enfeitar ela pra levar pro estádio. Sempre levava, até que começaram a proibir a entrada dela. Eu vou até pedir nesse negócio de homenagem que vão fazer aí pra mim se podem deixar eu voltar a levar ela comigo”, cogitou Dona Maria. As melhores lembranças que tem com a sombrinha é de quando virava a principal passista da famosa orquestra rubro-negra Treme Terra. “Quando começava aquele frevo eu ficava era louca, ninguém me segurava. Saia dançando pelo estádio, era uma maravilha”, contou.
Foi assim que, pobre e negra, e acima de tudo rubro-negra, Dona Maria superou todas as dificuldades para demonstrar a sua paixão pelo clube. Apesar de analfabeta, escreveu uma das histórias mais lindas de amor pelo Sport. “Não sei nem ler e escrever, mas as letrinhas juntas do Sport eu conheço sim, meu filho. E eu simples assim receber uma homenagem dessas, como é que diz? sócia benemérita, né? Eu tô é chique, viu?! Pra mim é uma felicidade imensa, o meu Sport é tudo pra mim!”, se declarou, com a simplicidade de quem há 94 anos simboliza uma torcida inteira.