A ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a transposição do Rio Paraíba do Sul, que corre desde maio na 2.ª Vara Federal de Campos (RJ), poderá ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Nessa quinta-feira (14), a Justiça Federal declinou da competência de julgar por entender que se trata de conflito federativo, envolvendo três Estados (Rio, São Paulo e Minas) e órgãos federais. E o governo do Rio voltou a criticar a gestão paulista da crise da água.
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No Paraíba do Sul, o governo paulista quer fazer uma transposição de 5 mil litros por segundo para a Represa Atibainha, do Sistema Cantareira, e ajudar a recuperar o manancial em crise. O projeto foi anunciado oficialmente em março e abriu a atual crise entre São Paulo e Rio. Segundo o governador paulista, Geraldo Alckmin, a obra no Atibainha beneficiará os dois Estados. Há uma semana, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) apresentou o plano ao Comitê da Bacia do Paraíba do Sul.
Trata-se do mesmo comitê que avaliará nos próximos dias a decisão paulista de reduzir em um terço a vazão do reservatório do Rio Jaguari, também na bacia do Paraíba do Sul, adotada no dia 1.º. A medida afeta o abastecimento na região de Barra do Piraí (RJ) e é outro foco de crise. O Operador Nacional do Sistema (ONS) já pediu que a medida seja revista, com o apoio da Agência Nacional de Águas (ANA) e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
O secretário da Casa Civil fluminense, Leonardo Espíndola, classificou como “violação completa do pacto federativo” a redução unilateral. Já o secretário de Recursos Hídricos de São Paulo, Mauro Arce, afirmou que aumentar a vazão “coloca em risco o abastecimento de toda a população do Vale do Paraíba”, no Rio, São Paulo e Minas. O governo reitera que se deve dar prioridade ao consumo, sobretudo em cidades como Santa Isabel, em vez de beneficiar a usina da Light.
O governo do Rio ainda aguarda que posições tomarão ANA, Aneel e ONS. “A posição unilateral adotada por São Paulo está sendo questionada pelos órgãos federais”, ressalta. O MPF também deu prazo até esta sexta-feira (15) para o Operador Nacional esclarecer o caso. Já o diretor-geral da Aneel, Romeu Donizete Rufino, disse nessa quinta-feira que a Cesp ainda não respondeu à notificação para cumprir a determinação do ONS. A empresa tem 15 dias para explicar os motivos. “Mas a concessionária é obrigada a operar como o operador orienta.”
Arce alegou que, entre 5 de março e 23 de julho, a vazão do Jaguari foi mantida em 10 metros cúbicos por segundo, por ordem do ONS, “e não faltou água”. Entre 24 de julho e 1.º de agosto, houve aumento para 42 metros cúbicos por segundo e nova redução para 10 metros cúbicos por segundo em 5 de agosto. “Não discutimos se deve ir para uma cidade ou outra, mas a água do Paraíba está acabando e precisamos economizar.” E acrescentou: “Não há disputa, estamos dispostos a discutir”. Para o secretário do Rio, “não há dúvida de que, se a postura unilateral de um Estado for mantida, poderemos ter, no futuro, problemas de abastecimento”. No entanto, ele acredita que “o governo de São Paulo respeitará as determinações dos órgãos federais”.
Já o procurador da República Eduardo Santos de Oliveira, autor da ação que pode seguir para o STF, alertou que o processo se refere a “qualquer intervenção que possa causar prejuízos à vazão do Rio Paraíba do Sul, incluindo seus afluentes (como o Jaguari)”. Segundo ele, ao reduzir a vazão do reservatório, “São Paulo desconsiderou o caráter sistêmico da bacia e trata a questão como se um afluente (Jaguari) pudesse ser desconectado do rio que ele alimenta (Paraíba)”. “Sem contar que não resolvem o problema do Cantareira e a crise da água.”
Reserva
Conforme o engenheiro agrônomo Juarez Domingues de Vasconcelos, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul, é natural a ação paulista, pois a Sabesp já detém o serviço de abastecimento na maior parte da região. “É natural que o governo queira reservar água para atender essa população e também para o Sistema Cantareira.” O problema, segundo ele, é o compromisso assumido na década de 1960, pelo qual as represas do Jaguari e do Paraibuna, no trecho paulista, garantiriam a liberação necessária para que um volume de 190 metros cúbicos por segundo de água siga para o Rio. “Se Jaguari não libera, a água tem de sair de Paraibuna, que deveria trabalhar com 45% da capacidade e está com 13%.”
Já Décio Tubbs Filho, presidente do Conselho Estadual de Recursos Hídricos do Rio, diz que falta “visão de bacia” a São Paulo. “Uma medida tomada na cabeceira de um rio repercute na foz. Em 2003, tivemos crise parecida e a situação foi resolvida com diálogo, não com decisões unilaterais.” (Colaboraram Fabio Leite, José Maria Tomazela e Victor Martins). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.