O assassinato de Osama bin Laden ocorre em um momento no qual o mundo árabe está em ebulição. Grita por democracia, exige reformas políticas, clama a queda de ditadores. No Egito, onde atua o Jihad Islâmico, grupo radical alinhado à Al-Qaeda, o assunto soberano é a transição política após a queda, em 11 de fevereiro, do presidente Hosni Mubarak, após 30 anos no poder e que renunciou após 18 dias de levantes populares. A Tunísia vivencia situação semelhante desde a queda do ditador Zine el-Abidine Ben Ali, em 14 de janeiro. Movimentos democráticos estão em curso em outros países, como Líbia, Síria, Iêmen e Bahrein. Diante do banho de sangue que vale o futuro político da região, a morte de Bin Laden passou quase despercebida.
Para o cientista político Leonardo Valente, o terrorismo hoje está em segundo plano entre os árabes. “O mundo árabe está mais preocupado com suas revoltas e suas exigências populares por democracia do que com a questão americana e o radicalismo. A agenda árabe mudou e o terrorismo não é mais a pauta principal. Isso pode até mudar a visão do Ocidente sobre o Oriente Médio”, considera.
Os novos movimentos, explica Valente, são de cunho essencialmente político e visam à abertura de regimes autoritários. “Por isso, tivemos uma reação tão fria à morte de Bin Laden nos países da região, à exceção de Paquistão e Afeganistão, onde a situação é mais embaraçosa”, diz. “É uma situação que isola ainda mais os radicais e enfraquece as células terroristas”, completa. Além disso, três quintos da população árabe têm menos de 30 anos, o que faz com que o 11 de setembro de 2001 seja somente uma memória de infância, que não foi sentida nem vivenciada de forma ativa.
O novo momento pode ajudar ainda a desvincular a religião islâmica do terrorismo, como vulgarmente é feito em várias partes do globo. Enquanto o Islã é milenar, o radicalismo tem apenas meio século. “É preciso colocá-los como grupos criminosos, e não religiosos”, frisa Valente.
O professor de relações internacionais Argemiro Procópio classificou a situação árabe atual como um “terremoto político”, que deixou os movimentos radicais ainda mais descoordenados.
Já o historiador Estevão de Rezende Martins tratou de diferenciar países árabes e muçulmanos. Martins salienta que as nações onde o extremismo é mais forte, Paquistão e Afeganistão, não se situam no mundo árabe.
“Isso tanto é verdade que os grupos extremistas se refugiaram no Paquistão e Afeganistão porque os países árabes os colocaram para correr. Esses Estados, como Líbia e Síria, para citar dois exemplos, nada têm a ver com os movimentos radicais islâmicos. São duas linhas de atuação distintas. Essas ditaduras sempre combateram os grupos que os ocidentais classificam como terroristas”, observa. O Iêmen conta com uma base militar americana para combater uma célula da Al-Qaeda.
Nos anos 1980, um embrião da Al-Qaeda ajudou o Talibã, com financiamento da CIA, a agência de inteligência dos EUA, a expulsar os soviéticos em plena Guerra Fria. A rede, como grupo militante, foi criada provavelmente em 1988, em Peshawar, Paquistão. No ano seguinte, Bin Laden voltou para a Arábia Saudita, sua terra natal, onde ofereceu um exército extremista para proteger o país do ditador iraquiano Saddam Hussein, que havia invadido o Kuwait. Ajuda recusada, ele vagueou pelo Sudão e, em seguida, se fixou no Afeganistão, até retornar, em 1996, ao Paquistão, então governado pelos talibãs.