ESPECIAL

Papa reposiciona a Igreja Católica

Escolha de Francisco reflete necessidade de mudanças na postura da instituição

Mariana Mesquita
Cadastrado por
Mariana Mesquita
Publicado em 22/12/2014 às 15:46
JC Imagem
Escolha de Francisco reflete necessidade de mudanças na postura da instituição - FOTO: JC Imagem
Leitura:

Ao escolher Francisco como papa, a Igreja Católica realizou um “reposicionamento de mercado”, modificando a percepção que a sociedade tinha a seu respeito enquanto marca, instituição, produto. Esta é a opinião do cientista político e empresário de marketing Antonio Lavareda, responsável pelas estratégias de candidatos e empresas em todo o Brasil. “A Igreja perdia espaço de forma acelerada, sem conseguir se relacionar com a maioria da população dos diversos países católicos. Francisco foi a aposta na guinada, na opção original voltada aos mais pobres”, avalia.

"Francisco seria uma espécie de projeto coletivo de reposicionamento da imagem, da agenda e da base geopolítica da Igreja Católica"

Para ele, a Igreja enfrentava problemas e poderia ter optado por reforçar ainda mais a ortodoxia, mas já havia seguido essa direção com Bento XVI. “Aparentemente, se apegar à teologia, à hierarquia interna da Igreja, foi algo que não ajudou muito. É tanto que Francisco foi eleito durante um momento de grave crise institucional, quando os cidadãos comuns demonstravam claramente desaprovar os escândalos ligados à congregação e não mais se identificavam com a agenda de discussões das autoridades eclesiásticas”, aponta o pesquisador. Francisco, por isso, seria uma espécie de “projeto coletivo de reposicionamento da imagem, da agenda e da base geopolítica da Igreja Católica”.

Também especialista em marketing político, o publicitário José Nivaldo Júnior chega a cogitar se Jorge Bergoglio seria o responsável pela “criação” desse novo “projeto de papa”, ou se, ao contrário, o “papel” de Francisco já estava previamente traçado dentro da própria Igreja, sendo Jorge escolhido por ser alguém com perfil adequado à missão. “De qualquer forma, ele está se saindo melhor que a encomenda no cumprimento do que seria esperado dele”, reconhece Nivaldo.

Embora se declare ateu, Nivaldo é autor de textos acerca do pioneirismo da Igreja Católica na área da comunicação, e afirma que o papa “é herdeiro de tradições de dois mil anos de ousadia nesta área”. Em sua visão, Francisco é “um papa extremamente midiático, capaz de fornecer pelo menos uma boa manchete a cada semana”. Porém, ele critica o fato de que, até o momento, Francisco estaria exercendo seu papel apenas no plano macro, distribuindo mensagens através das diversas mídias sem se preocupar em fiscalizar os resultados do que prega na realidade, ou seja, na base da Igreja.

“Não dá para perceber se ele veio realmente para mudar alguma coisa ou, simplesmente, colocar panos quentes nos problemas. O discurso dele não se replica na prática. Ele trocou a cama suntuosa por outra mais simples, deixou de vestir uma batina de R$ 100 mil e passou a usar outra de R$ 10 mil, mas o que isso significa em termos de mudanças de verdade?”, questiona. Ele reconhece que é uma jornada difícil, já que a Igreja é composta por hierarquias e privilégios que muitos de seus integrantes estão interessados em manter.

“Às vezes, tentamos distinguir o discurso do que seriam as ações, mas na verdade boa parte das ações políticas são concretizadas através do discurso”, contrapõe Lavareda. “Talvez, em nenhuma outra atividade humana a retórica tenha tanta importância, e por isso podemos e devemos falar de estratégias políticas dentro do Vaticano. Francisco é o resultado dessa estratégia de oxigenar a agenda da instituição. Só o fato de haver uma maior abertura para se discutir temas como aborto, divórcio, homossexualismo, já é uma ação política significativa”, considera.

Lavareda, que se diz católico pouco praticante, afirma que as transformações dentro de instituições como a Igreja Católica não costumam ocorrer por meio de grandes rupturas. Ao contrário: são processos lentos e graduais. Ainda assim, Francisco seria um exemplo de sucesso, após a Igreja ter tentado outras opções menos felizes. “É como Winston Churchill falava sobre os americanos durante a Segunda Guerra, eles invariavelmente acertam depois de terem errado todos os demais caminhos”, graceja. 

Comparando Francisco a seu antecessor mais carismático, João Paulo II, Lavareda aponta que estes possuem perfis bastante distintos. “João Paulo era um papa para se homenagear, Francisco é alguém com quem se pode imaginar conviver. João Paulo era teatral, feito de grandes gestos. Descia com vestes esvoaçantes do avião e beijava o solo do país que visitava. Já Francisco é um homem para ser visto em plano mais fechado, como na TV. É alguém coloquial, uma pessoa gostável, que qualquer um desejaria levar para jantar em sua casa”, descreve.

Espremido entre um e outro, Bento XVI se configura como material ruim do ponto de vista da comunicação. “Era um papa anódino”, define José Nivaldo. “Quando fizerem uma fila dos papas para se analisar, o que vão dizer dele é apenas ‘pula’”, ironiza Lavareda.


Últimas notícias