O espírito generoso e a necessidade de ajudar o próximo aparecem nas pessoas quando as dificuldades começam. A impressão, dada ao The New York Times, é da correspondente de guerra e jornalista Donatella Lorch, que mora há dois anos em Katmandu, cidade mais atingida pelo terremoto que devastou o Nepal e deixou mais de dois mil mortos.
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Em um testemunho sobre a tragédia, Lorch relata ao jornal como é a vida no país rico em cultura e pobre de infraestrutura e de serviços básicos. Segundo ela, não houve um dia sequer desde que chegou ao Nepal em que ela não pensou em terremotos- que já tinham se tornado obsessão. Tanto que ela deixara diversos mantimentos ensacados e espalhados pelos cômodos da casa, já que a cidade está localizada próxima a uma falha geológica natural.
No sábado, próximo a hora do terremoto, ela e seu filho de 10 anos, Lucas, estavam viajando de carro para comer pizzas em uma cidade próxima chamada Patan - conhecida por sua rica cultura. No primeiro tremor, Donatella relata que pensou que um pneu de seu carro poderia ter explodido ou mesmo que uma moto havia batido na traseira do veículo em que estavam. Ela perdeu o controle e o carro foi jogado de um lado para o outro, como se estivessem em uma onda no mar.
Quando o veículo parou, mulheres corriam na rodovia gritando. Uma parede próxima havia sido destruída, enquanto que um motoqueiro caiu da moto. Donatella parou o carro no meio da rodovia, desligou a chave e destrancou as portas. Logo, pediu ao filho para cobrir a cabeça ao máximo que ele conseguiria e o avisou, enquanto suas mãos tremiam, que se tratava de um terremoto.
O resto do dia para ela foi cheio de adrenalina. Dirigiu de volta para casa por caminhos com estradas e casas destruídas. Seu marido estava em uma viagem de negócios, mas seu cachorro, a esperava ansioso no portão. Mesmo com tanta destruição no caminho, a casa permanecia intacta.
Enquanto ela subiu para pegar os passaportes, pensando na melhor maneira de se proteger, um novo tremor quase a arremessou ao chão. Segundo ela, parecia uma enorme árvore caindo sobre sua cabeça.
A tarde, ela e o filho Lucas andaram pelas ruas do vilarejo onde moram e presenciaram moradores, policiais e soldados cavando com as mãos na tentativa de salvar as vítimas. Vizinhos ajudavam uns aos outros e muitas pessoas os paravam para perguntar se precisavam de comida ou água e os convidando para que, se preciso, passassem a noite juntos.
De acordo com Lorch, a solidariedade é o motivo de ela amar o Nepal. Lá, pessoas ajudam as outras já que o governo não pode oferecer praticamente nada.
Enquanto viajava com um amigo em uma moto, com seu filho no meio, viu cremações de corpos, com outros muitos esperando cobertos sobre folhas de açafrão. Mesmo com locais extras, a cremação não dava conta do número de mortos na região. Muitos morreram sob os tijolos de construções antigas de cidades milenares. Até mesmo os animais pareciam traumatizados, segundo observara.
A primeira vez que Donatella Lorch foi a Katmandu foi em 1983, enquanto trabalhava em um doutorado sobre a Índia. Desde então, a população transformou o vale de Katmandu em três cidades com cerca de 2,5 milhões de pessoas e um ar poluído, trânsito e lixo em todo lugar.
Mas a cidade também vive a história e a religião. Lá, santuários hindus e budistas dividem a mesma rua, além de restaurantes de todos os lugares do mundo e uma riquíssima cultura. Mas em 40 segundos, tudo mudou. As praças de Katmandu e Patan, onde turistas se reuniam, foram reduzidas a pedras, segundo ela.
Donatella afirma que aqueles que sobreviveram sabem que são sortudos. Sortudos pelo desastre não ter acontecido no inverno, muito mais frio, ou por ser em um sábado, quando crianças não estão nas escolas, que na maioria, foram atingidas pelo terremoto.
Ela e seu filho escutaram gritos durante toda a noite, em meio à escuridão, sem conseguirem dormir. Seu coração dói pelo Nepal que foi perdido e que tudo lá vai piorar nas próximas semanas, mas sabe que ela e seu filho estão juntos em meio a tudo.