Com o calote decretado na noite desta terça (29), a Grécia de hoje é a Argentina de 2001. Naquele ano, o vizinho sul-americano decretava a maior moratória que se tem notícia, de US$ 102 bilhões.
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O desemprego chegou a 20% dos trabalhadores e a pobreza engoliu mais da metade da população (54%) em 2001, um colapso que não sai da memória dos argentinos. Em apenas quatro anos, entre 1999 e 2002, o país perdeu quase um quinto de sua riqueza.
O economista Roberto Lavagna, ministro da economia argentino entre 2002 e 2005, afirma que a reestruturação da dívida -ou moratória- é o caminho inevitável de uma economia que chega ao limite.
"Quando a dívida alcança um nível tão elevado, como ocorreu com a Argentina e agora com a Grécia, não há saída possível sem reestruturar a dívida", afirmou em entrevista à reportagem.
Noutras palavras, sem aplicar um desconto expressivo no valor devido. "A dívida da Grécia hoje é maior do que quando começou a crise, não há prova maior de fracasso [desse programa] do que isso", disse Lavagna.
Na Argentina, um calote ainda em aberto em razão da disputa do governo de Cristina Kirchner contra os chamados fundos abutres, o desconto da dívida negociado com a maioria dos credores foi de 75% do valor total.
A falta de diálogo com uma parte menor desses investidores (7% dos credores), que não aceitou reduzir a dívida, mantém até hoje a Argentina à margem do mercado global de crédito.
'CORRALITO' TIPO EXPORTAÇÃO
O "corralito" -termo criado no país para dar nome ao limite de saques bancários durante a crise de 2001- chegou aos gregos nesta semana.
Em dezembro de 2001, os argentinos foram limitados a tirar de suas contas bancárias US$ 250 por semana, menos do que o autorizado aos gregos atualmente (60 euros ou cerca de US$ 55 por dia). O limite duraria um ano.
"Era um calote generalizado. Esse valor era suficiente para fazer as compras de supermercado e pagar o plano de saúde", lembra Juan Pablo Lohle, ex-embaixador da Argentina no Brasil. "Muitos não tinham nem como comprar comida".
Dezenas de restaurantes comunitários foram criados em todo o país para alimentar a classe média baixa que despencava para a pobreza.
O tecido político se desintegrou. Em apenas 12 dias do mês de dezembro de 2001, a Argentina teve cinco presidentes da república. Nas ruas, o grito dos manifestantes contra a classe política era generalizado: "Que se vayan todos! [que saiam todos]".
Segundo o ex-ministro Domingo Cavallo, que colocou em prática o corralito na Argentina, as autoridades gregas devem tentar se manter no euro a todo o custo.
Após a saída de Cavallo, sob fortes críticas em 2001, a Argentina converteu todos os ativos bancários que eram cotados em dólar para pesos. O ex-ministro, defensor da dolarização, afirma que se a Grécia repetir a receita e migrar para o dracma, os salários vão encolher ainda mais e a inflação vai disparar.
"Pode ser que com a triste experiência Argentina não cometam o trágico erro que o governo argentino cometeu em janeiro de 2002", escreveu Cavallo em seu blog.
Lavagna tem uma avaliação diferente. A Argentina não teve acesso aos vultosos recursos de socorro, como ocorre com a Grécia. Segundo ele, a decisão de não aceitar as exigências do FMI em troca de ajuda permitiu à Argentina voltar a crescer em 2003, com incentivos ao consumo e ao investimento.
"As matérias-primas só começaram a subir em 2007", afirma ele, contrariando a versão de que o país teve ajuda da alta global dos preços dos alimentos.
FRACASSO
Segundo o ex-ministro, sem negociar seu passivo, a Grécia voltará a enfrentar o mesmo problema em janeiro, quando terá que devolver parte do socorro que está recebendo do FMI e da comunidade europeia.
"Uma reestruturação de dívida é consequência de um fracasso das políticas, e o primeiro que pagou o preço disso foi o povo argentino. Não foi uma festa", disse. "O povo grego tem sete anos de uma péssima situação econômica e uma reestruturação não é um prêmio, é confrontar-se com a realidade".