Crítica

Em discurso anticapitalista, Francisco prega "mudança de estruturas"

Para o papa, a "globalização da esperança" nasce e cresce entre os pobres, mas até a elite econômica quer mudanças

Da Folhapress
Cadastrado por
Da Folhapress
Publicado em 09/07/2015 às 21:59
Foto: ANDREAS SOLARO/ AFP
Para o papa, a "globalização da esperança" nasce e cresce entre os pobres, mas até a elite econômica quer mudanças - FOTO: Foto: ANDREAS SOLARO/ AFP
Leitura:

No discurso mais político em pouco mais de dois anos de pontificado, o papa Francisco defendeu nesta quinta-feira (9) uma "mudança de estruturas" mundial, chamou o capitalismo de "ditadura sutil" e exortou os movimentos sociais a realizar "três grandes tarefas" na economia, na união entre os povos e na preservação do ambiente.

"Reconhecemos que este sistema impôs a lógica dos lucros a qualquer custo, sem pensar na exclusão social ou na destruição da natureza?", perguntou o papa a algumas centenas de representantes de movimentos sociais de vários países, entre os quais o MST, sem-teto, indígenas e quilombolas brasileiros, durante o 2º Encontro Mundial de Movimentos Populares, em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia).

"Se é assim, insisto, digamos sem medo: queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema já não se aguenta, os camponeses, trabalhadores, as comunidades e os povos tampouco o aguentam. E tampouco o aguenta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia são Francisco", completou.

Para o papa, a "globalização da esperança" nasce e cresce entre os pobres, mas até a elite econômica quer mudanças: "Dentro dessa minoria cada vez menor que acredita que se beneficia com este sistema reinam a insatisfação e especialmente a tristeza. Muitos esperam uma mudança que os libere dessa tristeza individualista que os escraviza."

Em outra dura crítica ao capitalismo, Francisco afirmou que, "atrás de tanta dor, tanta morte e destruição está o fedor disso que [são] Basílio de Cesareia (330-379) chamava de 'o esterco do Diabo' [dinheiro]". Segundo ele, o capitalismo é uma "ditadura sutil".

O líder católico atacou também "a concentração monopólica dos meios de comunicação social que pretende impor pautas alienantes de consumo e certa uniformidade cultural". Para ele, trata-se de "colonialismo ideológico".

Apesar da análise dura, Francisco advertiu contra o excesso de pessimismo e exortou os movimentos sociais a protagonizar as mudanças: "Eu me atrevo a dizer-lhes que o futuro da humanidade está, em grande

medida, em suas mãos", afirmou. "Vocês são os semeadores das mudanças."

Em seguida, o pontífice propôs a realização de três tarefas aos movimentos sociais. A primeira é a "colocar a economia a serviço dos povos": A economia não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas "a administração correta da casa comum". O objetivo, diz, é assegurar os "três Ts: trabalho, teto e terra".

"A distribuição justa dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia. É um dever moral. Para os cristãos, a tarefa é ainda mais forte: é um mandamento. Trata-se de devolver aos pobres e aos povos o que lhes pertence."

A segunda tarefa, segundo o pontífice, é "unir nossos povos no caminho da paz e da justiça". Ele defendeu o conceito de "pátria grande", usado por movimentos de esquerda para pregar a união latino-americana.

Francisco afirmou que problemas como a violência não podem ser resolvidos sem cooperação entre os países e atacou o "novo colonialismo": "Interação não é sinônimo de imposição", afirmou. "Colocar a periferia em função do centro lhe nega o direito a um desenvolvimento integral. Isso é iniquidade, e a iniquidade gera tal violência que não haverá recursos policiais, militares ou de inteligência capazes de deter."

Por último, o líder católico pediu a preservação da "Mãe Terra", tema de sua encíclica mais recente: "Não se pode permitir que certos interesses -que são globais, mas não universais- se imponham, submetam os Estados e organismos internacionais e continuem destruindo a criação".

DESCULPAS

Visitando um país de maioria indígena, Francisco pediu desculpas pelo atuação da Igreja Católica durante a colonização.

"Digo-lhes com pesar: foram cometidos muitos e graves pecados contra os povos originários da América em nome de Deus", disse. "E quero dizer-lhes, quero ser muito claro, como foi são João Paulo 2°: peço humildemente perdão, não apenas pelas ofensas da própria igreja como pelo crimes contra os povos originários durante a chamada conquista da América."

Ao final do discurso, disse: "Digamos juntos de coração: nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhum povo sem soberania, nenhuma pessoa sem dignidade, nenhuma criança sem infância, nenhum jovem sem possibilidades, nenhum idoso sem velhice digna. Sigam a sua luta e, por favor, cuidem muito da Mãe Terra."

Últimas notícias