A Anistia Internacional defende a necessidade de o Brasil ter uma política nacional de redução de homicídios. De acordo com o diretor-executivo da Anistia Internacional Brasil, Átila Roque, o tema precisa entrar como prioridade de todo o estado brasileiro, especialmente, para diminuir o número de mortes de jovens pobres e negros no país.
Leia Também
“Tem que ser abraçada pelo estado como um todo. Precisa ter metas de curto prazo e recursos para equipar não apenas a polícia, mas trazer junto outras políticas de educação, saúde, cultura e integração social, que incorporem e abram condições para que estes jovens sejam parte plena da sociedade de direito no Brasil, como deveria ser”, disse nesta terça-feira (28) em entrevista à Agência Brasil.
De acordo com o diretor da Anistia Internacional, há claramente uma situação em que a sociedade e o estado estão olhando para o outro lado, enquanto um verdadeiro extermínio está acontecendo diante dos seus olhos todos os dias. Roque defendeu a presença do estado desde a Presidência da República, incluindo todos os ministros e não apenas o da Justiça.
“Gostaria de ver este tema ser prioridade na fala do presidente do Banco Central, gostaria de ver este tema ser prioridade na fala do ministro da Fazenda, porque se todas as políticas não estiverem integradas e voltadas para priorizar a vida e a vida no Brasil hoje está sob alto risco, a vida de jovens e de jovens negros está submetida cotidianamente a um processo sistemático de extermínio.”
Para Átila Roque, existe, atualmente, uma geração inteira de jovens negros no Brasil vítima de “uma verdadeira tragédia que se pode chamar de quase extermínio”. O diretor vai debater o assunto na mesa de discussões do 9º Encontro Anual de Segurança Pública com o tema Homicídios de Jovens Negros. O encontro, organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que começa hoje no Rio de Janeiro.
Roque identificou na sociedade do país uma epidemia de indiferença em relação a rotina de homicídios e de mortes de jovens negros, pobres e moradores de periferias no Brasil. Além disso, segundo ele, ocorre a quase cumplicidade do estado brasileiro e de quem tem responsabilidade sobre políticas púbicas no Brasil sobre o tema.
Na avaliação de Roque, as duas situações resultam na sustentação de cumplicidade por omissão, na medida em que muito pouco ou quase nada é feito de maneira sistemática para se enfrentar este problema, ou até mesmo por meio da ação quando se verifica que parte importante das mortes ocorre nas mãos de agentes do estado em decorrência de uma política de segurança que privilegia o confronto, a guerra e o enfrentamento. “Produz em um grau fora de qualquer proporção razoável de mortes de jovens nas mãos da polícia.”
O diretor da Anistia apontou que é preciso desmistificar a ideia de que este é um problema que só se resolve a longo prazo, após mudança da estrutura social ou da polícia. Ele acrescentou que o Brasil vive em uma estrutura de segurança pública e modelo de polícia que não se alterou desde a ditadura.
“Fomos capazes de olhar todas as demais agendas que importavam para a sociedade na saúde, na educação e etc, reformulamos instituições, pensamos formas de participação; incorporamos atores, tanto usuários como agentes implementadores de política no debate; mas no caso da segurança pública é fato que nos abstivemos de tratar este tema”, disse.
“O resultado hoje é este estado de crise crônica, quase falência no sistema de segurança pública no Brasil que traz consequência a toda a sociedade, inclusive para os profissionais de segurança pública, os policiais que trabalham nas piores condições possíveis e acabam sendo também vítimas desse esquema perverso de uma polícia que mata muito e morre muito”, completou.
Para o curto prazo, Roque disse que o caminho é investir na gestão da política de segurança e não se restringir apenas a transformação estrutural das polícias. Ele revelou que quando se observa a curva de homicídios e como ela se desloca no tempo é possível identificar o resultado positivo de ações do gestor de uma polícia ou de um secretário de segurança que têm um pouco mais de sensibilidade para esta questão. Isso, segundo Roque, sugere que para reduzir rapidamente este alto índice de homicídios no curto prazo é ter uma clara priorização por parte do estado que reconheça, neste, o principal problema que o Brasil enfrenta hoje.
“Nós não podemos continuar com uma taxa de homicídios na faixa de 56 mil mortos por ano, em que desses, 30 mil são jovens entre 15 e 29 anos. Como se derrubássemos a cada dois dias um avião cheio de jovens. Entre esses 30 mil, 77% são negros”, contou.