O escritório de Héctor Magnetto, 71, não se parece nada com o de um chefe de um grande conglomerado de mídia. Não há televisores ligados, pilhas de revistas ou jornais nem mobiliário moderno. Sobre sua mesa, apenas um velho monitor. E, num canto, a mítica trituradora de papéis com a qual o CEO do Grupo Clarín (que atua em TV, internet, cabo e rádios) ainda hoje destrói documentos e relatórios de bastidores da política e do mundo dos negócios argentinos. Os informes são encomendados a jornalistas da própria empresa, muitas vezes apenas para seu consumo particular.
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Em "Clarín - La Era Magnetto" (ed. Planeta, importado), resultado de sete anos de investigação e entrevistas com jornalistas, ex-presidentes do país e com o próprio Magnetto, o sociólogo Martín Sivak, 39, confirma essa e outras lendas sobre o homem mais poderoso da mídia argentina.
O mais importante, porém, conforme assinala o biógrafo, foram os lugares-comuns que se diluíram durante a pesquisa, realizada com uma bolsa da Universidade de Nova York.
"O principal deles é a ideia de que o Clarín primeiro se associava aos governos, recebia benefícios, e depois passava para a oposição. Nunca foi assim. Desde o fim dos anos 90 e até o conflito com os Kirchner, o Clarín se assumiu como pilar da governabilidade da Argentina. Apoiou os presidentes, não só por afinidades políticas, que às vezes não existiam, mas porque tinha uma dívida em dólares [US$ 1,2 bilhão] e precisava defender a convertibilidade", diz Sivak, em entrevista à reportagem.
A três meses da eleição presidencial que definirá o sucessor da presidente Cristina Kirchner, Sivak avalia que não houve vitoriosos no virulento embate travado entre Clarín e governo nos últimos anos da gestão kirchnerista. Mais que isso, ambos saíram perdendo.
"O Clarín sai menor como empresa, porque está sendo obrigado a desinvestir e porque perdeu algo de sua credibilidade ao adotar uma linha editorial tão agressiva. Já o governo não pôde aplicar o nocaute que gostaria de ter aplicado a Magnetto porque falhou ao tentar montar uma alternativa estatal ao grupo [por meio do subsídio a meios alinhados] e não pôde vincular o Clarín aos crimes da ditadura [tentativas realizadas por meio da pressão para identificar se os filhos adotivos da proprietária, Ernestina Herrera de Noble, eram bebês roubados por militares, e de provar que Magnetto havia obtido a Papel Prensa por meio de associação com a ditadura, ambas frustradas]."
O livro reconstrói a trajetória de Magnetto desde que entrou no Grupo Clarín, como simples contador, até se transformar em preferido da proprietária, viúva do fundador, Roberto Noble (1902-69).
Uma de suas principais ações foi afastar da cúpula do jornal representantes do MID (Movimento de Integração e Desenvolvimento), uma dissidência da União Cívica Radical a que pertencia o ex-presidente Arturo Frondizi (1958-62).
"Magnetto teve a visão de que o grupo não podia ficar amarrado demais a um grupo político, e tomou uma decisão empresarial. Demitiu esses quadros e começou a apostar em outros meios, rádio, televisão, cabo. Modernizou o negócio. Abriu o noticiário também para entretenimento e reforçou a cobertura de esportes. Sem Magnetto, a expansão seria impossível", diz Sivak.
O momento-chave para explicar o clima hostil entre o poder e o Clarín nos dias de hoje está na sucessão de Néstor Kirchner (1950-2010). "Néstor governou com o Clarín, Cristina, contra o Clarín", resume Sivak.
O pesquisador relata que a obsessão de Néstor com o que saía publicado no jornal era imensa. "Ele chegava a escolher os repórteres que deveriam cobrir seus atos como presidente. Queria todos os dias saber o que o ´Clarín´ ia manchetar no dia seguinte. E privilegiava muito o jornal. Nunca os repórteres do ´Clarín´ tiveram tanto acesso a um governo como durante a gestão Néstor."
Pouco antes de passar o bastão para a mulher e sucessora, o ex-presidente permitiu que a Cablevisión [empresa de cabo do Grupo Clarín] comprasse sua principal concorrente, a Multicanal, conformando a maior operadora de cabo do país e uma das principais da região. Hoje, o cabo representa mais de 80% do faturamento da empresa.
GUERRA
A lua-de-mel terminou porque, em 2008, quando Cristina lançou lei para taxar a produção agrícola, o jornal decidiu tomar partido dos ruralistas.
Imediatamente, Cristina viu no embate uma chance de construir um inimigo contra quem poderia usar uma retórica anti-capitalista com a qual conquistou uma nova base de militantes de esquerda. Ajudou, ainda, a diminuir o poder de fogo dos políticos de oposição. De fato, o principal opositor do governo durante sua gestão foi o grupo multimídia.
A tentativa final de calar a empresa veio com a Lei de Meios, aprovada pelo Congresso argentino em 2009, que obrigou o grupo a desinvestir, abrindo mão de alguns de seus meios. Ainda em processo, a operação ainda não tem um desfecho definitivo.
Vítima de um câncer de laringe, Magnetto aparece muito pouco e concede raras entrevistas. Conta que, em seus últimos anos, Néstor o visitava cada vez que voltava de uma sessão de tratamento no exterior.
"Queria saber quando eu iria morrer", costuma dizer o CEO. O fato é que quem acabou sobrevivendo foi ele, uma vez que o ex-presidente foi vítima de um enfarte repentino, em 2010.
Para Sivak, os prováveis sucessores de Cristina dificilmente seguirão a batalha contra o grupo multimídia, justamente porque houve perdas de ambos os lados.
"Nem [o candidato governista] Daniel Scioli, nem [o opositor], Mauricio Macri fazem referências à questão dos meios. Isso faz pensar que, depois de 10 de dezembro [posse do novo presidente], este seja um tema menos relevante na política argentina. Magnetto crê que a guerra terminará nesse dia. O Clarín sai debilitado, mas os meios do governo, também".
Os números confirmam a tendência. Segundo dados da própria empresa, o Grupo Clarín passou de valer US$ 2,6 bilhões, em 2008, para US$ 1,8 bilhão. E a circulação, afetada ainda pelo impacto da internet, está em 240 mil exemplares, em média, durante a semana [chegou a ser 700 mil].
"Cristina financiou um satélite de empresários, que puseram seus meios a serviço dessa guerra imaginária, mas com baixas audiências e meios com escasso prestígio. A ideia de construir um ´Clarín kirchnerista´ fracassou porque o matutino é o que é também por seus 70 anos de história", diz Sivak.
Magnetto, porém, apesar da doença e de parecer um homem distante do novo contexto da mídia em tempos de internet, parece preparar uma cartada para tempos pós-kirchnerismo.
"Os empresários que se associaram ao kirchnerismo vão se acomodar a uma nova situação. Magnetto sabe que, para esse propósito, ser CEO do Grupo Clarín não é um posto menor."