São 70 anos do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Um conflito que mostrou um mundo dividido entre raças, religiões, poder econômico e político, extremismo ideológico e, sobretudo, uma falta de civilidade que deixou mais de 60 milhões de mortos, sendo uma travessia para a Guerra Fria, só dizimada no início de 1990. São sete décadas que nos afastam da batalha mais devastadora da nossa história e qual dessas mazelas o mundo já conseguiu superar? Um olhar atento pelos desafios atuais do planeta mostra que ainda estamos longe extirpar alguma delas. Se a diplomacia excessiva foi apontada no passado como leniente diante da ascensão e consolidação inicial do poder nazista, hoje, para especialistas, é a falta dela que nos leva para uma sociedade cada vez mais extremada e sectária.
O próprio conflito, encerrado em 2 de setembro de 1945 com a rendição do Japão, fato ocorrido após os Estados Unidos da América (EUA) terem lançado bombas nucleares nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, era também uma extensão de outro. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) acabou impondo um quadro de humilhação à Alemanha. Fator apontado como um dos catalisadores que a fizeram ser o principal ator do Eixo – dentre outros, grupo formado por Alemanha, Itália e Japão – que enfrentou a força Aliada – uma aliança que incluía EUA, URSS, Inglaterra e unidades independentes da França.
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Em vez da capitulação do Japão ter sinalizado para uma reestruturação mundial que levasse à mitigação de novos conflitos, o que se vê atualmente é o oposto disso, discorre o pós-doutor em Sociologia da Guerra e especialista em conflitos do século XX Timothy DeSchriver. Para o americano, a corrida armamentista atual é sinal de que estamos longe de ver a diplomacia como solução de impasses. “Mesmo que o risco de uma guerra nuclear esteja mais distante”, pontua. O posicionamento de DeSchriver é embasado em cifras bilionárias. A Rússia gasta atualmente cerca de 30% do seu orçamento militar – estimado em US$ 700 bilhões para os próximos seis anos – no desenvolvimento de seu poderio nuclear.
Os EUA executam um plano nacional de revitalização atômica, que inclui a fabricação de uma nova geração de veículos para transporte de bombas. Número do Departamento de Orçamento do Congresso estimou em US$ 355 bilhões (R$ 852 bilhões) o quanto o país gastará nessa causa nos próximos dez anos.
“1945 não acabou até hoje”, pontua o historiador Antônio Pedro Tota, autor de livros sobre o tema e que se debruça na produção de outra obra abordando justamente essas lacunas deixadas em aberto desde o conflito. Ele pontua a evolução de diversos temas no mundo, como as recentes conquistas relacionadas ao público LGBT e voltadas a emancipação da mulher, mas afirma existir um abismo humanitário profundo no mundo.
“Não existindo praticamente queda na parcela da população que vive diariamente em condições de dificuldade”, explica o pós-doutor pela Columbia University. Cerca de 2,2 bilhões de pessoas no mundo vivem hoje em situação de pobreza ou se encontram a ponto de estar entre elas. Mais de um terço da população global, segundo o relatório anual do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Mesmo não existindo estatísticas precisas sobre o período, o estudos aponta que isso é muito próximo ao que era encontrado no pós-guerra. A Pnud ainda conclui que aproximadamente 1,5 bilhão de pessoas sofre de “pobreza multidimensional” em 91 países em desenvolvimento, ou seja, passam por privações nas áreas de saúde, educação e “padrões básicos de vida”.
Se após a Segunda Guerra o mundo viu a bipolaridade entre o capitalismo americano e o comunismo soviético, hoje existe uma fragmentação de forças, que aliada à falta de diplomacia, mostra uma involução nesse sentido. Embora estejamos vendo conquistas em fase de implantação representadas pelo acordo nuclear com o Irã e na reaproximação entre EUA e Cuba.
Enquanto isso, os conflitos no Oriente Médio ilustram outras realidades ainda conflituosas, com Iraque, Palestina, Líbia e Síria. Timothy coloca que a região tem sido palco há décadas de soluções impostas por forças de fora, com apoio a ações militares ou de grupos em guerras civis. “Muitas vezes acabam apenas reforçando os sectarismos locais”, defende.
Essa falta de ação coordenada, estratégica e diplomática acaba por desembocar ainda em duas crises atuais: a imigratória e a consolidação de verdadeiros Estados terroristas, caso do califado instituído pelo Estado Islâmico.