A oposição venezuelana intensificou a ofensiva contra o governo, ao convocar uma greve geral e uma marcha até o Palácio presidencial de Miraflores, após manifestações contra a suspensão do referendo revogatório do mandato de Nicolás Maduro, a quem os adversários vão declarar em "abandono de funções".
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Ao final da marcha de centenas de milhares de pessoas, que ativistas estimaram em 1,2 milhão de manifestantes, os principais dirigentes da oposição anunciaram sua ofensiva para conseguir destituir Maduro, após a suspensão do referendo revogatório.
"No [dia] 3 de novembro (...) vamos notificar Nicolás Maduro que foi declarado pelo povo venezuelano em abandono do cargo. Vamos fazê-lo em manifestação pacífica que vai chegar ao palácio de Miraflores", afirmou nesta quarta-feira, da tribuna, o presidente da Assembleia Nacional, de maioria opositora, Henry Ramos Allup.
"Iniciamos o processo para declarar a responsabilidade política deste vagabundo que temos no Miraflores", disse Ramos Allup.
A coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) também convocou uma greve geral de 12 horas para a próxima sexta-feira (28).
A Assembleia Nacional resolveu esta semana iniciar um procedimento para acusar Maduro de "abandono do cargo", algo previsto na Constituição, quando o presidente deixa de exercer suas atribuições, e convocou o chefe de Estado a participar de uma sessão na próxima terça-feira.
Em seguida, dirigiu-se a milhares de seus seguidores, que se concentraram nos arredores do Palácio de Miraflores para apoiá-lo.
"A Assembleia Nacional infelizmente tomou o caminho do desacato à Constituição", disse Maduro aos manifestantes, criticando a ausência de Ramos Allup em uma reunião do Conselho de Defesa.
"Entramos em outra fase"
"Roubaram de nós o direito de votar e eu digo: se roubam nosso direito de votar, entramos em outra fase na Venezuela", afirmou o líder opositor, Henrique Capriles, durante a marcha.
"Hoje estamos dando um prazo ao governo. Eu digo ao covarde que está em Miraflores (...) que em 3 de novembro todo o povo venezuelano virá a Caracas porque vamos pro 'Miraflores'", advertiu Capriles.
Vestidos em sua maioria com camisas brancas e bonés com a bandeira da Venezuela, vários manifestantes saíram de sete pontos de Caracas e se encontraram na autoestrada Francisco Fajardo (leste), tomada pela multidão. Os participantes carregavam cartazes escritos à mão. "Não vamos nos render. Revogatório já".
Klenia Campos, engenheira informática de 41 anos, disse que a marcha "é uma medida de pressão para que (Maduro) entenda que precisa ir embora. Tanta passividade não dá mais, temos que fazer mais pressão".
"O povo saiu pacificamente, estamos na rua e acho que vamos ficar até que haja uma resposta deste governo que não respeita a Constituição e tem pavor do revogatório", disse Victor Jiménez, relações públicas de 63 anos.
Em Caracas, a manifestação terminou sem incidentes, mas foram registrados confrontos em cidades de alguns estados, como Táchira, Mérida e Sucre.
Segundo a ONG de defesa dos direitos humanos Foro Penal, 80 pessoas foram detidas e 20 ficaram feridas durante as marchas desta quarta-feira.
Em um post no Twitter, a ONG reportou que as detenções ocorreram em sete dos 24 estados do país, a maioria em Nueva Esparta e Sucre, enquanto entre os 20 feridos, três foram baleados em Maracaibo, capital do estado de Zulia (noroeste).
"Boletim de detidos: Guárico: 5. Nueva Esparta: 32. Táchira: 7. Barinas: 4. Miranda: 6. Sucre: 21. Lara: 5", informou o Foro Penal.
Segundo a ONG, outras 60 pessoas foram detidas em Aragua, mas libertadas logo em seguida.
A chamada "Tomada da Venezuela" ocorre no que deveria ser o primeiro de três dias para a coleta de quatro milhões de assinaturas (20% do colégio eleitoral), último passo antes da convocação para referendo.
Ao cumprir este requisito, a oposição queria evidenciar a rejeição majoritária ao governo de Maduro, ao qual seis em cada dez venezuelanos está disposto a revogar, segundo a empresa de pesquisas Datanálisis.
Mas o processo foi suspenso na semana passada por tribunais penais regionais, que acolheram denúncias de fraude apresentadas pelos governistas em uma primeira etapa da coleta de assinaturas.
"A força da oposição são os votos do povo", disse à AFP o cientista político Luis Salamanca, que considera que a suspensão do processo revogatório "colocou o conflito político em um ponto crítico".
Em dezembro de 2015, a oposição venceu amplamente nas eleições legislativas e pela primeira vez em 17 anos de chavismo conquistou a maioria parlamentar.
"O capital político é da MUD, mas o governo tem o poder. Para que a oposição alcance o resto dos poderes é preciso realizar eleições", comentou o especialista.
Diálogo
Governo e oposição, que se acusam mutuamente de "golpismo", exploram ao mesmo tempo a possibilidade de um diálogo com a mediação do Vaticano, em meio a uma aguda crise econômica que se traduz em escassez de alimentos e remédios e uma inflação calculada pelo FMI em 475% para este ano.
O governo culpa pela crise econômica "empresários de direita" que buscam desestabilizá-lo, mas a oposição responsabiliza o modelo socialista e sustenta que o revogatório era a última "válvula de escape" de uma população cansada de fazer longas filas para conseguir os poucos produtos a preços subsidiados.
Cogitado para domingo em Ilha Margarita (norte), o início do diálogo foi desmentido em um primeiro momento pelos mais importantes dirigentes opositores, mas posteriormente eles disseram estar dispostos a participar da mesa se as negociações forem realizadas em Caracas.
"Temos a possibilidade de ter um árbitro com alcance planetário, como é o Vaticano. Sugerimos que o encontro seja em Caracas, teremos que entrar em acordo", afirmou Torrealba.
Mas Maduro insistiu nesta quarta-feira em que "a mesa de diálogo nacional está convocada e eu vou assistir porque eu quero o diálogo pela paz do país".
"Que Maduro nos mande fotos da praia, porque no domingo não vamos para [a ilha] Margarita", afirmou Capriles.
Salamanca afirma que na Venezuela "a corda esticou e corre o risco de se romper. É vital evitar que o confronto escale para um confronto com sangue. Se o diálogo pode servir para algo é para evitar isso".