VÍRUS

Cem anos depois, gripe espanhola carrega lições para a próxima pandemia

Cientistas alertam que alterações demográficas, resistência a antibióticos e mudanças climáticas podem complicar qualquer surto futuro

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Publicado em 08/10/2018 às 16:44
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Cientistas alertam que alterações demográficas, resistência a antibióticos e mudanças climáticas podem complicar qualquer surto futuro - FOTO: Foto: JOE RAEDLE / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP
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Há 100 anos, a gripe espanhola infectou um terço da humanidade, matando dezenas de milhões e provocando pânico em continentes que ainda se recuperavam da guerra.

Cientistas dizem que, embora lições tenham sido aprendidas com a pandemia mais mortal da história, o mundo está mal preparado para o próximo assassino global. 

Em particular, eles alertam que alterações demográficas, resistência a antibióticos e mudanças climáticas podem complicar qualquer surto futuro. 

"Agora enfrentamos novos desafios, incluindo o envelhecimento da população, pessoas vivendo com doenças como obesidade e diabetes", disse à AFP nesta segunda-feira (8) Carolien van de Sandt, do Instituto Peter Doherty para Infecção e Imunidade. 

Os cientistas preveem que a próxima pandemia de influenza - provavelmente uma cepa da gripe aviária que infectará humanos e se espalhará rapidamente pelo mundo através de viagens aéreas - pode matar até 150 milhões de pessoas. 

Van de Sandt e sua equipe examinaram uma grande quantidade de dados sobre a gripe espanhola, que afetou o planeta em 1918. 

Os pesquisadores também estudaram três outras pandemias: a gripe asiática de 1957, a gripe de Hong Kong de 1968 e o surto de gripe suína de 2009.

Eles descobriram que, embora a gripe espanhola tenha infectado uma em cada três pessoas, muitos pacientes conseguiram sobreviver à infecção grave e outros apresentaram apenas sintomas leves. 

Ao contrário da maioria das nações, que usaram a censura durante a guerra para reprimir as notícias sobre a disseminação do vírus, a Espanha permaneceu neutra durante a Primeira Guerra Mundial. Numerosos relatos da doença na mídia espanhola levaram muitos a supor que a doença se originou lá, e o nome acabou ficando. 

Hoje acredita-se amplamente que a cepa da gripe em 1918 na verdade surgiu entre militares americanos e matou uma quantidade desproporcionalmente alta de soldados e jovens, mas os pesquisadores disseram que as coisas seriam diferentes desta vez. 

Em 1918, em um mundo que lutava contra o impacto econômico da guerra global, o vírus se tornou mais letal devido às altas taxas de desnutrição. 

Mas a equipe por trás de um novo estudo, publicado na revista Journal Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, disse que o próximo surto se espalhará no mundo desenvolvido entre uma população que sofre com taxas recordes de obesidade e diabetes.

"Duplo fardo"

"O que sabemos da pandemia de 2009 é que pessoas com certas doenças (como obesidade e diabetes) tiveram probabilidade significativamente maior de serem hospitalizadas e morrer de gripe", disse à AFP Kirsty Short, da escola de Química e Biociências da Universidade de Queensland. 

A equipe alertou que o mundo enfrentava um "duplo fardo" de doenças graves devido à desnutrição generalizada nos países pobres - exacerbada pelas mudanças climáticas - e à supernutrição nos países mais ricos. 

E o aquecimento global poderia impactar de outras formas. 

Van de Sandt disse que, uma vez que muitas cepas de influenza começam nas aves, um planeta em aquecimento pode alterar onde o próximo surto surgirá. 

"A mudança climática pode mudar os padrões de migração das aves, trazendo potenciais vírus pandêmicos para novos locais e potencialmente uma variedade maior de espécies de aves", disse. 

Uma coisa que a investigação sobre 1918 levantou foi que as pessoas mais velhas se saíram significativamente melhor contra a cepa do vírus do que os adultos mais jovens. 

A equipe teorizou que isso se devia em parte ao fato de que os cidadãos mais velhos acumularam alguma imunidade por meio de infecções anteriores. 

A maioria das mortes no surto de 1918 - cerca de 50 milhões de pessoas, ou 2,5% dos infectados - foi devido a infecções bacterianas secundárias, algo que os antibióticos ajudaram a aliviar durante as pandemias subsequentes. 

Mas hoje muitas bactérias são imunes a antibióticos. 

"Isso aumenta o risco de que as pessoas sofram novamente e morram como resultado de infecções bacterianas secundárias durante o próximo surto pandêmico", disse Katherine Kedzierska, do Instituto Doherty, em Melbourne. 

Os autores soaram particularmente alarmados com o influenza H7N9 aviário - um vírus que mata cerca de 40% das pessoas infectadas, mesmo que atualmente não possa passar de humano para humano. 

"No momento, nenhum desses vírus adquiriu a capacidade de se espalhar entre humanos, mas sabemos que o vírus só precisa fazer algumas pequenas mudanças para que isso aconteça e poderia criar uma nova pandemia de gripe", disse Van de Sandt.

"Informar o público"

Enquanto o mundo em 2018, com mais de sete bilhões de pessoas, megacidades e viagens aéreas globais, seja muito diferente de um século atrás, os pesquisadores insistem em que há muitas lições que a gripe espanhola pode ensinar aos governos de hoje. 

Por natureza, as cepas de vírus pandêmicos são imprevisíveis - se as autoridades soubessem com certeza qual gripe se alastraria, poderiam investir em uma vacina amplamente disponível. 

Até que uma vacina universal seja criada, "os governos devem informar o público sobre o que esperar e como agir durante uma pandemia", disse Van de Sandt. 

O estudo disse que os governos poderiam usar o poder comunicativo da internet para ajudar a espalhar o conhecimento e as instruções no caso de uma nova pandemia. 

"Uma lição importante da pandemia de influenza de 1918 é que uma resposta pública bem preparada pode salvar muitas vidas", disse Van de Sandt.

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