El Chapo e seu cartel de Sinaloa subornavam a procuradoria-geral do México, a polícia, militares e até a Interpol, disse nesta quinta-feira (15) uma testemunha-chave do governo no julgamento do chefão do tráfico, que também relatou passo a passo o nascimento do cartel e sua violenta guerra como os rivais de Tijuana.
Jesús "el Rey" Zambada, empregado do cartel de 1987 até sua prisão em 2008 e irmão do chefão do tráfico Ismael "Mayo" Zambada García, cofundador da organização criminosa junto com El Chapo, detalhou durante mais de quatro horas os custos exorbitantes de proteger o contrabando da droga colombiana que viajava para os Estados Unidos via México, no terceiro dia deste processo que durará cerca de quatro meses.
El Rey, que controlava a atividade do cartel na Cidade do México, contou que pagava pessoalmente subornos ao comandante da Procuradoria-Geral da República (PGR) na capital mexicana, à polícia rodoviária federal, à polícia judiciária federal, estadual e municipal e "à Interpol também". O cartel controlava vários estados e neles subornavam "principalmente o governador, o procurador, o diretor da Polícia Federal e municipal".
A Polícia inclusive escoltou El Chapo no DF quando fugia de carro com El Rey após sua fuga de uma prisão mexicana em 2001, segundo a testemunha.
"Os subornos para funcionários do governo na Cidade do México eram cerca de 300.000 dólares por mês", contou ao júri Zambada, de 57 anos, vestindo traje de presidiário azul e camiseta laranja.
Zambada disse que também pagou, em 2004, um suborno de 100.000 dólares ao general Gilberto Toledano, encarregado do estado de Guerrero, a pedido do Chapo. "Eu ia importar cocaína da Colômbia pelo estado de Guerrero, falei sobre isso com El Chapo Guzmán Loera e com meu irmão Mayo, e o Chapo me disse 'aí está o general Toledano, é meu amigo, vá vê-lo e dê a ele 100.000 dólares de minha parte'", contou El Rey. "Mandava dar de presente, e me disse que o cumprimentasse e mandasse um abraço", acrescentou.
El Rey contou que seu irmão, Mayo Zambada, próximo ao chefão Amado Carrillo Fuentes, decidiu deixar o cartel de Tijuana e se associar a El Chapo e a Juan José "Azul" Esparragoza. Os quatro se tornariam os maiores líderes do cartel de Sinaloa. E como entraram em uma guerra violenta com o cartel de Tijuana, que queria controle total desta fronteira.
Extraditado para os Estados Unidos há 22 meses, El Chapo, de 61 anos, é acusado de enviar mais de 155 toneladas de cocaína aos Estados Unidos durante 25 anos. Se for considerado culpado, pode ser condenado à prisão perpétua. Em troca de sua colaboração, a promotoria pedirá ao juiz que reduza a sua pena e já o ajudou a trazer sua família para os Estados Unidos para protegê-la de eventuais atentados, segundo relatou a própria testemunha.
Um rastro de mortos
A testemunha lembrou uma noite fatal de 1992 em uma discoteca de Puerto Vallarta chamada Christine's. Disse que seu irmão, Mayo, o tinha advertido que El Chapo queria matar ali Ramón Arellano Félix, chefe dos matadores do quartel de Tijuana. Sua tentativa fracassou, mas ele deixou um rastro de mortos, vários pistoleiros do cartel de Tijuana e clientes do local.
Em 1993, o cardeal Juan Jesús Posadas foi morto no aeroporto de Guadalajara. Segundo El Rey, El Azul disse que os autores foram Ramón Arellano Félix e seus matadores e que o verdadeiro alvo do crime era El Chapo, que devia viajar e se dirigia ao aeroporto em um carro da mesma marca. Mas o governo mexicano acusou El Chapo pelo assassinato e ele fugiu para a Guatemala, onde no mesmo ano foi preso pela primeira vez.
El Rey assegurou, ainda, que ele mesmo não matou ninguém, mas que em 1994 ou 1995 dois pistoleiros dos Arellano Félix tentaram matá-lo em uma loja. Atiraram contra ele e o feriram. "Caí no chão, mas não fiquei inconsciente. Pulei com a minha pistola na mão e comecei a lutar. Ficaram surpresos porque pensaram que eu estava morto", contou El Rey, que feriu um deles.
Ramón Arellano Félix foi morto por El Chapo em 2002, segundo El Rey, com a ajuda da Polícia, que quis deter seu automóvel. Ele não parou, acabou desembarcando em frente a um hotel de Mazatlán, Sinaloa, começou a correr e atiraram em sua nuca. El Rey contou que por volta de 2005, em uma reunião nas montanhas de Sinaloa, o acusado disse "que gostava de algo na vida era de ter matado Ramón Arellano Félix".
De terno escuro e gravata, El Chapo escutou com atenção e sem esboçar reação o relato de seu ex-aliado. Antes de deixar a sala, El Rey lhe dirigiu um tímido sorriso.
Seu depoimento vai continuar na próxima segunda-feira. Espera-se que o contra-interrogatório da defesa comece essa mesma tarde.