crise venezuelana

Venezuelanos no Recife vivem um misto de medo e esperança

Tensão elevada faz venezuelanos em Pernambuco oscilarem entre medo da violência e esperança na queda de Maduro

JC Online
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Publicado em 27/01/2019 às 8:00
Foto: Fillipe Jordão/JC Imagem
Tensão elevada faz venezuelanos em Pernambuco oscilarem entre medo da violência e esperança na queda de Maduro - FOTO: Foto: Fillipe Jordão/JC Imagem
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O advogado venezuelano José Ali compartilha pelo WhatsApp vídeo e áudio que viralizou em seu país na sexta (25) mostrando a retirada de funcionários da embaixada dos Estados Unidos em Caracas. No áudio, uma voz feminina diz em espanhol que a saída do comboio do prédio, numa área nobre de Caracas, leva oficiais da embaixada que não são indispensáveis para o serviço diplomático.

A retirada de uma parte do pessoal americano é mais um capítulo de tensão na crise desencadeada durante a semana pelos protestos dos oposicionistas contra o ditador Nicolás Maduro e agravada pela autoproclamação do deputado Juan Guaidó como presidente de transição, reconhecido pelos EUA como o líder legítimo da Venezuela. Em reação, Maduro deu 72 horas para os diplomatas americanos saírem do país. O prazo terminou na tarde de ontem e a recusa do governo americano em retirar seu embaixador testa a reação de Maduro. O presidente americano Donald Trump disse durante a semana que todas as opções estão sobre a mesa, inclusive a militar. Hoje Guaidó fará novo pronunciamento anunciando a próxima manifestação de rua pela saída de Maduro.

“O clima está muito complicado e não sabemos o que acontecerá”, diz José Ali, que voltou para a Venezuela após passar um período no Recife. Apesar de toda a crise, que poderá desaguar em mais violência, ele mantém a esperança de que os dias de Maduro estão com os dias contados. “Temos esperança na queda de Maduro. É muito provável que ocorra um banho de sangue. Já se vão 27 mortos nas ruas pelos paramilitares de Maduro”, afirma em conversa pelo Whatsapp. “É bem possível que aconteça uma intervenção estrangeira na Venezuela, mas espero que não. Acho que os diplomatas que vão permanecer na embaixada dos EUA não serão retirados pelo regime. Acho que eles não vão entrar para retirá-los, os EUA mandariam fuzileiros.”

Quando veio para o Recife em 2017, Ali fugia da repressão do regime contra os juízes que não se alinhavam. Após um período no Brasil, o juiz, que abandonou seu cargo, terminou voltando à Venezuela para exercer a advocacia. Embora tenha retornado, há, pelo menos, 120 venezuelanos refugiados em Pernambuco. Boa parte está abrigada no alojamento da ONG Aldeias Infantis SOS Brasil, localizada em Igarassu, na Região Metropolitana do Recife. Eles começaram a chegar no dia 3 de julho do ano passado, quando o primeiro avião da Força Aérea Brasileira (FAB) pousou no Aeroporto Internacional do Recife dentro do projeto de interiorização dos refugiados que entram no País pela fronteira com Roraima. O número de migrantes venezuelanos no mundo já passa de 3 milhões de pessoas, de acordo com dados do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), uma das entidades mantenedoras da ONG Aldeias Infantis.

Fugindo da fome

No Recife, alguns dos venezuelanos fugidos da fome imposta pelo regime de Nicolás Maduro começam a retomar o prumo de suas vidas, como é o caso de Narvis Angélica, Adriana José e Joel Antonio, emigrantes, de um grupo de dez, que foi contratado pelo Grupo Parvi, uma das maiores redes de concessionárias de automóveis do País. Mesmo com emprego, o sentimento é de apreensão e também de esperança.

“A situação de nosso país está complicada. Há agora muita tensão pela a proclamação de um governo interino, mas eu tenho certeza que a coisa vai mudar para melhor. Eu tenho fé, porque Deus tem o controle de tudo”, diz o técnico em segurança Joel Antônio que chegou há três meses. Ele diz que o problema econômico de seu país não é a falta de emprego, mas a inflação que deixa o preço de qualquer alimento impagável. Em 2018, o país registrou uma inflação de 1,3 milhão por cento. “O salário de um mês só dá para comprar duas bandejas de ovo, um quilo de arroz ou macarrão”, diz Joel. Os ricos podem pagar preços exorbitantes pelos alimentos. Entre os pobres há cestas de alimentos distribuídas entre os chavistas. “Estou ansioso sobre a família que ficou, um pouco de medo.”

Narvis Angélica, que trabalha nos serviços gerais do Departamento Pessoal da empresa, conta que deixou seu país há sete meses com o marido e dois filhos, chegando ao Recife em julho num dos primeiros voos do projeto de interiorização dos venezuelanos, do governo brasileiro. “A Venezuela está passando por uma situação ruim”, diz Narvis. “Todos temos sentido muito”, completa Adriana José, que se colocou como ajudante de cozinha no Grupo Parvi. “Eu vim buscando uma condição melhor para os meus filhos, não vim obrigada”, diz relembrando que desempenhava a mesma função numa escola do governo de seu país onde não chegava merenda para os alunos. Sua intenção é voltar quando as coisas melhorarem. “Minha casa é lá.” Para as duas, isso só vai acontecer com a saída de Maduro. “Ele não quer sair, diz que só sai em 2015, mas, até lá, a Venezuela estará acabada”, diz Adriana.

Os três funcionários da Parvi foram acolhidos no Recife no alojamento da ONG Aldeias Infantis SOS Brasil, localizada em Igarassu. Como conseguiram uma colocação no mercado de trabalho, agora terão de sair do alojamento e, agora, começaram a procurar um novo lar. Narvis está preocupada com quem vai deixar suas duas crianças na hora do trabalho. Hoje conta com a ajuda das vizinhas compatriotas que ainda não conseguiram emprego.

A diretora de RH do Grupo Parvi, Clívia da Costa e Silva, diz que os emigrantes venezuelanos foram selecionados por critério profissional. “Eles vêm com muita disposição de trabalhar.” A empresa passou a contratar os venezuelanos quando os primeiros começaram a chegar a Boa Vista, onde a empresa também tem concessionárias.

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