Angustiados pela sobrevivência, os venezuelanos retomaram nesta quinta-feira (14) suas atividades de trabalho após uma semana de paralisação por causa de um apagão sem precedentes que aprofundou a grave crise econômica e política do país, e que atinge a vital produção petroleira.
Longas filas em bancos e pontos de ônibus foram o denominador comum em Caracas, onde o serviço do metrô - que transporta dois milhões de passageiros diariamente - tinha sido restabelecido com um trecho fechado em sua linha principal.
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Muitas pessoas caminharam para chegar ao trabalho, um dia depois de o presidente Nicolás Maduro determinar a retomada do dia de trabalho e manter as aulas suspensas.
"A coisa esteve difícil. Nem água, nem luz, e agora estas filas", disse à AFP o funcionário de hotelaria Eriberto Urbina, enquanto fazia uma longa fila para pegar o ônibus.
O governo assegurou que o serviço foi restabelecido em praticamente toda a Venezuela, inclusive em Caracas, embora com pequenas falhas em áreas onde denunciou sabotagens a subestações depois do apagão.
Um incêndio atribuído a uma "ação terrorista" de Estados Unidos afetou três tanques de armazenamento de petróleo em uma instalação da estatal PDVSA na Faixa do Orinoco, no estado de Anzoátegui (norte).
O governo de Donald Trump, ao qual Maduro culpa pelo apagão mediante "ataques cibernéticos e eletromagnéticos", disse nesta quinta-feira ter concluído a saída do pessoal de sua embaixada em Caracas como parte do rompimento de relações, decidida por Maduro em janeiro.
Além disso, Washington revogou os vistos de outras 340 pessoas próximas a Maduro, elevando o total de revogações a mais de 600 desde o fim de 2018, segundo o porta-voz da diplomacia americana, Robert Palladino.
Com a PDVSA - fonte de 96% da receita do país - em default e minada pela corrupção, a produção de petróleo perdeu 142.000 barris diários em fevereiro, em comparação com o mês anterior, situando-se em pouco mais de um milhão, informou a Opep nesta quinta-feira.
Especialistas como Luis Oliveros alertam que os danos causados pelo apagão abririam "um ciclo maior de deterioração" à indústria petroleira, que a partir de 28 de abril enfrentará um embargo americano.
Apesar do caos que reina em vários lugares do país, Maduro assegurou que "há um sentimento de prazer (nas pessoas), de satisfação".
"Parece que tivesse ocorrido uma guerra"
As indústrias, severamente atingidas há anos pela crise, também enfrentarão dificuldades para se colocar em movimento. A patronal Fedecámaras advertiu para "críticos níveis de desabastecimento que comprometem a segurança alimentar".
"Não abrimos nos dias de apagão. As vendas estão fraquinhas (...), a gente não vai comprar sapatos quando o que está procurando é água e comida", declarou à AFP Carlos Zúniga, vendedor de sapatos em uma avenida de Sabana Grande, Caracas. Muitos negócios permaneciam fechados.
Os hospitais viveram situações dramáticas por causa do apagão. Segundo o líder opositor, Juan Guaidó, cerca de 20 pacientes morreram, enquanto a ONG Codevida denuncia que faleceram 17 doentes renais. O governo nega ter havido mortos.
Na outrora próspera Maracaibo, capital do petroleiro estado de Zulia (noroeste), foram saqueados 500 estabelecimentos comerciais. As ruas estão desoladas e nas poucas lojas abertas, centenas de pessoas fazem fila para comprar um pouco de comida.
Mas, de acordo com a ONG de defesa dos direitos humanos Foro Penal, crítica ao governo, mais de 300 pessoas foram detidas durante protestos e saques registrados em meio ao apagão.
"Agora a gente anda buscando comida como louco (...) você vê a cidade e parece que teve uma guerra", diz Francisco Arteaga, de 61 anos, após caminhar horas no desértico clima de Maracaibo, sem conseguir comida.
Por falta de dinheiro e falhas que persistem no sistema bancário eletrônico, muitas lojas em Caracas e outras regiões estão cobrando em dólares.
Guaidó não reduz a pressão
A crise elétrica, que atingiu Caracas e 22 dos 23 estados do país, começou na tarde de quinta-feira e só na terça Maduro assegurou que a luz estava restabelecida "quase totalmente" no território.
Maduro acusa Washington de sabotar a hidrelétrica de Guri (estado de Bolívar, sul), que gera 80% da energia do país.
Guaidó, reconhecido como presidente interino da Venezuela por cerca de 50 países, atribui o colapso à "negligência" e à "corrupção" do governo.
A China, aliada de Maduro, ofereceu nesta quarta-feira sua ajuda para recuperar o serviço. O presidente socialista anunciou nesta terça-feira que pediria ajuda também à Rússia e ao Irã para investigar "o ataque".
O governo anunciou que no fim de semana serão retomados os exercícios militares que vinham sendo realizados há várias semanas ante a ameaça de uma "invasão militar" americana, desta vez concentrados na vigilância da infraestrutura hidrelétrica.
Guaidó decretou estado de emergência nacional por 30 dias para pedir ajuda internacional por causa da crise. Um de seus apoios mais firmes na Europa, a Espanha, ofereceu ajuda para reparar um sistema elétrico "muito deteriorado".
O opositor mantém a pressão contra o governo e se reunirá com líderes das proximidades de Caracas nesta quinta-feira. "Continuamos articulando todos os setores da vida nacional paara conseguir o cessar da usurpação, o governo de transição e eleições livres", assegurou.
Guaidó se proclamou presidente encarregado em 23 de janeiro depois que a maioria opositora do Congresso declarou Maduro "usurpador" por considerar sua reeleição fraudulenta.