O Chile marca nesta segunda-feira (18) com diversos atos um mês de um turbilhão de protestos - pacíficos e violentos - para exigir uma divisão melhor das riquezas e implementar políticas de bem-estar social a uma população que se queixa dos "abusos" de um modelo econômico próspero apenas para alguns.
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O que começou com estudantes de ensino médio se negando a pagar bilhetes do metrô levou à mais profunda crise social desde a volta à democracia após a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), mudando em 30 dias a face do país e modificando por completo a agenda do direitista Sebastián Piñera e do Parlamento.
Se até antes de 18 de outubro, o alcance de uma seca que se prolonga por dez anos e os efeitos das mudanças climáticas dominavam a agenda, hoje o país discute uma nova Constituição - que substitua a herdada da ditadura -, junto a uma profunda reforma no sistema de pensões, saúde e educação, que centram as preocupações dos chilenos que agora dizem "basta aos abusos".
"Nas últimas quatro semanas, o Chile mudou; os chilenos mudaram, o governo mudou; todos mudamos. O pacto social sob o qual tínhamos vivido rachou", disse Piñera, em mensagem ao país na noite de domingo, na qual celebrou o acordo político que permitiria a mudança constitucional.
Depois de intensas negociações, o Congresso chileno aprovou na sexta-feira um acordo para convocar um plebiscito em abril do ano que vem para decidir mudar ou não a Constituição e escolher o mecanismo por meio do qual seria feita a mudança: uma assembleia Constituinte ou uma convenção mista, integrada em partes iguais por constituintes e congressistas.
Em 30 anos de democracia não prosperou nenhuma tentativa de reformar a Constituição redigida pela ditadura em 1980 e que o regime conseguiu aprovar em um questionado plebiscito, com dispositivos que asseguraram o poder dos grupos conservadores, inclusive uma vez restaurada da democracia.
"Estamos todos conscientes de que estávamos com uma camisa de força que era uma Constituição herdada, pétrea, que não se podia mudar", disse o ex-presidente socialista (2000-2006) Ricardo Lagos, em entrevista à CNN-Chile.
Uma pesquisa publicada nesta segunda-feira pela consultoria privada Cadem revelou que 67% dos chilenos avaliam como bom ou muito bom o acordo constitucional a partir do qual se uniram os partidos do governo e da esquerda opositora, que até antes dos protestos não conseguiam ter um consenso sobre suas posições.
Neste cenário, o Congresso apressava a discussão para aumentar em 50% a pensão básica solidária, fixada hoje em 133 dólares, uma opção que para o governo não pode se concretizar de forma imediata.
"Não há dinheiro. Quero ser responsável e muito claro em dizê-lo. Isso significa um bilhão de dólares que o Chile não tem (...) Não estamos em condições de ter acesso a isto", afirmou o ministro da Fazenda, Ignacio Briones.
Violento despertar
Foi um despertar drástico para um país considerado um dos mais estáveis da América Latina e com um modelo econômico elogiado: 30 dias de protestos que resultaram em 22 mortos, 79 estações do metrô de Santiago atacadas - algumas completamente incendiadas - e quase 15.000 detidos no país.
No que constitui uma marca indelével dessas manifestações, mais de 200 pessoas sofreram lesões oculares graves após serem atingidas por projéteis de chumbo disparados pela Polícia.
Um balanço policial detalhou nesta segunda que desde 18 de outubro foram contabilizados mais de 15.000 detidos, 3.500 deles por saques registrados em todo o país.
A rede americana Walmart apresentou uma série de ações judiciais contra o Estado por ataques sofridos a suas lojas: 128 saqueadas, 34 incendiadas e 17 totalmente destruídas.
"Nunca tínhamos visto esses níveis de violência na democracia. Agradecemos o trabalho dos Carabineros, mas abusos não serão tolerados", disse a porta-voz oficial do governo, Karla Rubilar.
Tentando voltar à normalidade
Depois de um mês de protestos, concentrados na Praça Itália, no centro de Santiago - onde uma semana depois do início dos protestos se reuniram 1,2 milhão de pessoas -, o país se divide entre quem tenta voltar à normalidade e os que querem continuar pressionando por maiores mudanças.
Nesta segunda, o terminal do metrô da comuna de Puente Alto (sul) voltou a abrir as portas depois de permanecer fechada por um mês e deixar praticamente sem mobilidade pública os quase 800.000 habitantes desta comuna popular do sul da capital chilena.
Mas devido a algumas manifestações no exterior, a estação voltou a ser fechada. Um grupo de estudantes voltou a protestar no centro de Santiago, onde estava previsto um novo protesto esta tarde.