A Comissão Nacional da Verdade realizou, ontem, sua última audiência pública para ouvir depoimentos antes de sua conclusão, marcada para dezembro. O evento teve momentos de comoção: o tenente-coronel reformado do Exército Joaquim Gonçalves Vilarinho Neto, de 85 anos, saiu do Teatro do Brum, no Centro de Convenções, sob vaias e gritos de “assassino” proferidos por familiares e amigos de Manoel Lisboa, fundador do Partido Comunista Revolucionário que foi torturado e morto em agosto de 1973.
A ordem de prisão e envio de Lisboa para São Paulo, onde seu corpo foi localizado numa vala comum, foi assinada por Vilarinho - que era, na época, comandante da Polícia Militar de Pernambuco. Ele, contudo, negou-se a prestar informações à comissão sobre este e outros casos. Apesar disso, o presidente da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, considerou sua presença importante. “Ele era o comandante da PM no auge da ditadura militar, e a posição institucional dele justificava sua convocação. O silêncio seletivo que ele demonstrou foi bastante eloquente”, afirmou.
Outro agente da repressão a prestar depoimento foi o coronel reformado da Polícia Militar José Carlos Acampora de Paula Machado, que nos anos 1970 atuou no Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) de Pernambuco. Machado declarou nunca ter procedido a torturas, por ficar responsável apenas por prender as pessoas. “Se mudarem a Lei da Anistia, vou ter que pagar pelo que fiz, mas sou contra tortura”, afirmou, se descrevendo como “um homem disposto a morrer pelo que acredita”.
Machado confirmou a prática institucionalizada de prisões ilegais e tortura pelo Exército, Aeronáutica e Marinha, mas não quis apontar nenhum nome. “Já tenho muitos inimigos para administrar, não vou arrumar mais nenhum”, disse ele, lembrando o assassinato suspeito do coronel carioca Paulo Malhães, morto menos de um mês após admitir ter participado de torturas, assassinatos e ocultação de cadáveres na época da ditadura.
Outros quatro intimados não compareceram: o desembargador aposentado e ex-delegado de polícia Aquino de Farias Reis, que alegou problemas de saúde; o ex-chefe do operações do Serviço Nacional de Informações (SNI) em Brasília, Clidenor de Moura Lima; e Julio Roberto Cerdá Mendes, capitão do Exército e investigador que participou da chacina do Parque Nacional de Iguaçu, em 1974. O médico legista Pedro de França Gomes, que atestou o falso suicídio da presa Anatália Alves, assassinada no Recife, pediu para ser ouvido em outra data.
Leia Também
Na avaliação de Pedro Dallari, “foi uma sessão muito positiva, que evidenciou que as graves violações aos direitos humanos não foram fruto da ação isolada de indivíduos. O Estado brasileiro converteu as prisões e as torturas numa política pública, utilizando servidores públicos para isso”.
Hoje, os membros da comissão, em companhia de representantes da Comissão Estadual da Verdade Dom Helder Câmara, fazem uma visita de reconhecimento às antigas sedes do DOI-CODI e do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), ambas na Boa Vista. Será a primeira diligência a unidades das Forças Armadas utilizadas como centros de tortura, em Pernambuco. “Estas visitas permitirão que se trace um croqui no local e identificar onde aconteceram torturas e execuções, e isso com a presença de vítimas que poderão testemunhar in loco os fatos que nós queremos apurar”, explicou.