Corrupção

Vaccari usou editora para lavar propina ao PT, diz juiz

Tesoureiro foi apontado por cinco delatores como o operador do PT no petrolão

Da Folhapress
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Publicado em 15/04/2015 às 17:49
Foto: Wilson Dias / Agência Brasil
Tesoureiro foi apontado por cinco delatores como o operador do PT no petrolão - FOTO: Foto: Wilson Dias / Agência Brasil
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Condenada por realizar propaganda irregular de Dilma Rousseff em 2010, a Editora Gráfica Atitude recebeu R$ 1,5 milhão de um dos suspeitos de integrar o esquema de desvios na Petrobras, de acordo com o Ministério Público Federal. Pagamentos feitos entre 2010 e 2013 foram considerados pelo juiz Sergio Moro prova documental decisiva para a decretação da prisão preventiva do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, na manhã desta quarta (15).

A Editora Gráfica Atitude Ltda., que teria sido indicada por Vaccari para o pagamento da propina devida por uma das empreiteiras que operavam na Diretoria de Serviços da Petrobras, pertence aos sindicatos dos Bancários e dos Metalúrgicos do ABC. A empresa edita a revista "Retrato do Brasil" e o site "Rede Brasil Atual".

Suspeito de corrupção e lavagem de dinheiro, Vaccari foi apontado por cinco delatores como o operador do PT no petrolão, mas um conjunto de extratos bancários corroboraram as acusações feitas contra o petista.

Augusto Ribeiro, executivo da Setal Óleo e Gás (SOG) que fez acordo com a Procuradoria, afirmou que os pagamentos à Atitude tinham como destino final o PT e foram determinados pelo próprio Vaccari em 2010, 2011 e 2013. Segundo o delator, o valor transferido à Atitude foi descontado dos subornos que a empreiteira deveria repassar ao partido pelos contratos na Diretoria de Serviços.

Extratos bancários das empresas Tipuana e Projetec, controladas por Ribeiro, registram pagamentos que somam R$ 1.501.600 entre 29 de junho de 2010 e 19 de agosto de 2013.

Em depoimento no dia 31 de março de 2015, Ribeiro disse que a SOG não tinha qualquer interesse comercial em anunciar na "Revista do Brasil", editada pela Atitude, e que nem sequer sabe se os anúncios foram ou não veiculados -mas que fez os pagamentos por determinação de Vaccari.

No despacho em que determinou a prisão do tesoureiro, o juiz Moro conclui os pagamentos à Atitude escondiam doações não-contabilizadas ao PT: "Observo que, para esses pagamentos à Editora Gráfica Atitude, não há como se cogitar, em princípio, de falta de dolo dos envolvidos, pois não se tratam de doações eleitorais registradas, mas pagamentos efetuados, com simulação, total ou parcial, de serviços prestados por terceiros, a pedido de João Vaccari Neto".

Os pagamentos das empresas de Ribeiro à Editora Atitude são apenas uma parte do montante total da propina paga pela SOG, segundo a Procuradoria. Entre 2008 e 2012, R$ 4,26 milhões foram repassados pela SOG, PEM Engenharia e Projetec (controladas por Ribeiro) ao PT por meio de doações registradas na Justiça Eleitoral.

Segundo o delator, a origem destas "doações legais" era dinheiro obtido no contrato com a Petrobras e eram repassadas ao PT a pedido do então diretor de Serviços Renato Duque e por intermédio de João Vaccari Neto.

PROPAGANDA DE DILMA

A editora apontada pela força tarefa da operação como beneficiária valores do esquema de corrupção da Petrobras já foi punida pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pela realização de propaganda eleitoral ilegal em 2010 em favor da então candidata à presidência da República Dilma Rousseff (PT), e contrária ao candidato tucano José Serra (PSDB).

Em abril de 2012, a Editora Gráfica Atitude, investigada na Lava Jato, e a CUT (Central Única dos Trabalhadores) foram condenadas a pagar multas de R$ 15 mil pelo TSE sob a acusação de promoverem a candidatura petista em jornal financiado pela CUT e em revista produzida pela editora, em setembro e outubro de 2010.

À época, o tribunal aplicou a punição com base no artigo 24 da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), que proíbe que sindicatos contribuam direta ou indiretamente com recursos para campanhas de candidatos ou partidos.

De acordo com o voto da relatora do caso em 2012, ministra Nancy Andrighi, as provas do processo não deixaram dúvida quanto à realização da propaganda eleitoral ilegal. "Os elementos probatórios dos autos não deixam dúvida quanto à realização da propaganda eleitoral. Os textos fazem menção direta às eleições presidenciais e suscitam a ideia de que a candidata representada seria a mais apta ao exercício do cargo em disputa, além de fazer propaganda negativa contra o seu principal adversário nas eleições de 2010", disse a ministra relatora.

Porém, à época a ministra não considerou que a punição deveria se estender à Dilma e sua coligação, por entender que não havia no processo indícios de que a candidata e a equipe de campanha soubessem sobre as publicações irregulares.

ENRIQUECIMENTO

Na ordem de prisão, Moro também afirma que o Ministério Público Federal tem "razão" ao apontar indícios de "enriquecimento ilícito" de familiares de Vaccari, como a mulher dele, Giselda, a filha Nayara e a cunhada Marice Correa de Lima.

O documento cita, por exemplo, que Giselda recebeu em sua conta bancária depósitos de origem não identificada que somaram R$ 322,9 mil até 2014. Também menciona um relatório fiscal que aponta que a filha do casal, apesar de praticamente não ter tido um trabalho com rendimentos tributáveis, possuía um patrimônio de R$ 1 milhão no fim de 2013.

O juiz também citou conversa em que um funcionário da empreiteira OAS pede ao doleiro Alberto Youssef para entregar dinheiro na casa da cunhada de Vaccari. Uma planilha apreendida indica que os valores eram de R$ 244 mil.

Outra suspeita levantada é a compra de um apartamento por Marice no Guarujá (litoral paulista). O documento afirma que ela comprou o imóvel da empreiteira OAS por R$ 200 mil, desistiu do negócio e recebeu em troca R$ 430 mil de devolução. A empresa vendeu posteriormente o apartamento por um valor mais baixo, o que chamou a atenção dos investigadores.

Moro citou na decisão que a OAS é uma das empreiteiras envolvidas no "esquema criminoso da Petrobras" e alvo de uma ação penal relacionada à Lava Jato. Ele afirmou, no entanto, que é preciso "aprofundar a investigação" sobre o patrimônio e que os fatos ainda não são totalmente conclusivos.

OUTRO LADO

Procurado pela reportagem, o coordenador editorial e financeiro da Editora Gráfica Atitude, Paulo Salvador, disse que vai esperar ser notificado pela Justiça para se pronunciar. A defesa de João Vaccari Neto ainda não comentou a prisão e as considerações do juiz Sergio Moro. O tesoureiro do PT tem negado envolvimento em irregularidades.

BANCOOP

O procurador da República Carlos Fernando Lima, um dos coordenadores da força tarefa da Operação Lava Jato, afirmou que o tesoureiro do PT João Vaccari Neto atua em desvios de dinheiro para o PT ou entidades ligadas à legenda partidária desde 2004.

As doações ao PT estão sob suspeita porque, segundo o Ministério Público Federal, foram uma forma de pagamento da propina que empresas deviam partido para manter contratos com a Petrobras.

Lima disse que além das atuais investigações sobre o esquema de corrupção na estatal há um processo criminal em curso na Justiça de São Paulo que indica ações de Vaccari para desviar recursos da Bancoop, a cooperativa dos bancários de São Paulo, para o PT, no período em que ele presidiu a entidade, de 2005 a 2010.

"Verificamos um comportamento reiterado indicando o desvio de valores para agremiações políticas. Chegamos à conclusão de que esta reiteração era o motivo principal da prisão, para garantia da ordem pública", disse.

"No caso Lava Jato temos a indicação de cinco colaboradores de que ele [Vaccari] era o representante do Partido dos Trabalhadores nos desvios da Petrobras. Verificamos então uma continuidade delitiva que vem de muito tempo."

CRIME

Segundo o despacho que determinou a prisão, Vaccari foi preso porque, como continuava na tesouraria do partido, poderia continuar incorrendo em crimes ou atrapalhar as investigações. "O mundo do crime não pode contaminar o sistema político-partidário", afirmou, no despacho, o juiz Sérgio Moro.

"A manutenção dele [Vaccari] em liberdade ainda oferece um risco especial pois as informações disponíveis na data desta decisão são no sentido de que João Vaccari Neto, mesmo após o oferecimento contra ele de ação penal pelo Ministério Público Federal [...], remanesce no cargo de tesoureiro do Partido dos Trabalhadores. Em tal posição de poder e de influência política, poderá persistir na prática de crimes ou mesmo perturbar as investigações e a instrução da ação penal", afirmou.

O juiz afirmou que o "mero afastamento" dele do cargo que ocupa no partido não seria suficiente para prevenir de todo os riscos, já que existem indícios de ter atuado no esquema criminoso de propinas na Petrobras "mesmo antes de ter a posição oficial de tesoureiro no partido".

"Quem responde por tão graves crimes, que incluem a utilização da posição de tesoureiro de partido político para angariar recursos criminosos e corromper o sistema político, oferece um risco a ordem pública, justificando a [prisão] preventiva", escreveu.

FAMÍLIA

Segundo Lima, a prisão de Vaccari também teve como fundamento a realização de operações que apresentaram indícios de crime fiscal. "A família [de Vaccari] possui uma série de operações que têm características de lavagem de dinheiro. Alguns valores foram depositados em contas sem identificação, e foram feitas operações com empreiteiras envolvidas na operação Lava Jato."

O negócio com construtora mencionado por Lima foi revelado em reportagem da Folha de S.Paulo do último dia 6, que apontou que a Procuradoria investigava uma operação fora do padrão do mercado imobiliário feito entre a construtora OAS e a cunhada de Vaccari, Marice Correa de Lima.

O negócio foi a transferência de um apartamento no Guarujá (SP) de Marice para a OAS pelo valor de R$ 430 mil, cerca de dois anos após a cunhada de Vaccari ter adquirido o imóvel por R$ 200 mil, em 2011. A operação indica um aumento de 115% no valor do apartamento no período, o que é incomum no mercado imobiliário.

Também há um mandado de prisão contra Marice, mas ela não foi localizada. A PF a considera fugitiva.

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