Como um balde de água fria: assim caiu para milhares de brasileiros sem-teto o plano de austeridade da presidente Dilma Rousseff, que prevê reduzir o gasto em moradias populares. Os sem-teto constituem tradicionalmente uma das bases de apoio do Partido dos Trabalhadores, no poder há 12 anos. Mas o anúncio de que em 2016 haverá 990 milhões de dólares a menos para moradias gerou entre muitos uma onda de indignação.
Depois de vagarem pelas ruas durante mais de dois meses e serem expulsos dos arredores dos ministérios, em Brasília, cerca de 450 famílias da periferia ocupam há três dias um hotel de 15 andares a poucos quilômetros do Palácio da Alvorada a residência presidencial. "Daqui só sairemos mortos", assegura à AFP um dos ocupantes, Edson Silva, sob um lustre de cristal no hotel Saint Peter.
"O governo quer varrer os problemas sociais para debaixo do tapete", defende este líder de um movimento local dissidente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). "Quem está pagando a crise econômica? O trabalhador. Não está doendo no bolso do banqueiro, da burguesia, da elite. A cada dia há menos empregos, a cada dia há menos comida em nossa mesa", completou.
Indignados
Mergulhado em uma recessão econômica que lhe custou o grau de investimento, a qual se soma uma inflação de quase 10% e um desemprego crescente, o governo anunciou na segunda-feira um conjunto de medidas para alcançar um orçamento com superávit fiscal primário para 2016, ao invés do déficit previsto há alguns dias.
O plano consiste em adiar ajustes salariais e contratações no setor público, eliminar 10 dos 39 ministérios e cortar gastos em construção e infraestrutura. Também contempla reativar impopulares impostos e cortar gastos em moradia e saúde.
O anúncio causou uma onda de reprovação na indústria, nos movimentos sociais como o MTST e os camponeses sem terra, em sindicatos a favor e opositores ao governo e até no Congresso, onde muitos legisladores duvidam de sua aprovação.
Em São Paulo, cerca de 500 integrantes do MTST marcharam no centro para pedir moradias. Outra manifestação ocorreu em São Gonçalo, periferia do Rio de Janeiro, e um grande protesto de trabalhadores e movimentos sociais pretende convocar para sexta-feira 20.000 pessoas em São Paulo e decretar uma greve geral.
"Estamos todos indignados. Como é isso de que vão cortar 'Minha Casa, Minha Vida'?", se perguntava em frente à catedral paulistana Fabiana Lopes, uma ativista sem teto de 26 anos, em referência ao programa do governo que já entregou 2,5 milhões de casas populares. Foi com o investimento de centenas de milhões de dólares em programas como este que o PT conseguiu em uma década tirar da pobreza 40 milhões de pessoas.
"Tudo está difícil: o emprego, a moradia, e agora o que mais querem cortar? Com estes corte nós vamos ser os mais prejudicados. Por isso estamos na luta. Eu apoiei o PT no passado, mas hoje já não apoio", disse Lopes à AFP.
Amália Dos Santos, de 45 anos, vive em um terreno ocupado em São Paulo e trabalha servindo comida em uma escola. "Os cortes começam sempre pelos pobres. Veremos o que vai acontecer. Temos medo desta crise", disse enquanto protestava no centro da cidade.
Dilma entregou justamente nesta quarta-feira as chaves de novas casas populares em Presidente Prudente, no interior de São Paulo. O ajuste "é para preservar aquilo que é melhor para o futuro das pessoas que estamos apertando o cinto, não para acabar com tudo", assegurou.
Vinte e dois milhões de sem-teto
O hotel de três estrelas ocupado em Brasília fechou em março devido a uma disputa judicial entre os donos do edifício, que ficou com as camas arrumadas e toda a infraestrutura montada. Após um período de reformas estava quase pronto para abrir, mas agora, seus hóspedes não são viajantes, mas brasileiros sem teto, parte dos 22 milhões de pessoas afetadas por este problema no Brasil, o equivalente a 10% da população.
No lobby do hotel, um ocupante transformado em segurança supervisiona a entrada e a saída de cada pessoa. Alguns saem e voltam com comida, água, ou com o cabelo enrolado em uma toalha após tomar banho na rodoviária próxima, já que cortaram a água no hotel.
"A moradia é um direito constitucional, queremos fazer valer a lei. O governo disse que tem um terreno, e queremos este terreno, mas até agora não nos disseram nada de concreto", defende a jovem Yuca Carvalho, da cidade satélite de Ceilândia. Resguardadas nos quase 430 quartos, as famílias temem a intervenção da polícia, depois que a justiça determinou o despejo.