Em 2007, quando foi confirmada a maior descoberta de petróleo da história do país, as reservas do pré-sal, o Brasil experimentava um momento único. A economia tinha crescido 6,1% naquele ano, incentivada pela exportação de commodities agrícolas. A inflação caiu de 6,88% em 2005 para 3,6%, a menor taxa desde 1998. A confiança era inabalável e os investidores concordavam que o Brasil era o mais promissor dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), com democracia estável, população jovem e recursos naturais abundantes.
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Menos de uma década depois, a realidade mudou. A principal economia da América Latina mergulhou na pior crise econômica deste século, agravada pela forte queda no preço das commodities (matérias-primas), pelo aumento insustentável da dívida pública, pelo processo de impeachment que paralisou o Congresso e por um escândalo de corrupção na Petrobras.
A situação que o presidente interino, Michel Temer (PMDB), terá que enfrentar nos próximos dias não é favorável. O Produto Interno Bruto (PIB, a soma dos bens e serviços produzidos no país) encolheu 3,8% em 2015, a pior queda em 25 anos. A expectativa para 2016 é de que a retração se mantenha em torno de 3,8%. A inflação mais que dobrou em relação a 2007 e com isso a taxa básica de juros ultrapassou os 14%. O desemprego passou dos dois dígitos: 10,2% dos trabalhadores estão fora do mercado, o que representa 10,4 milhões de brasileiros.
Com o aprofundamento da recessão, milhões de brasileiros que ingressaram na chamada “nova classe média” durante a boa fase da economia estão retornando para a pobreza. Estudo da consultoria Tendências, com sede em São Paulo, prevê que 3,1 milhões de famílias, cerca de 10 milhões de pessoas, voltarão a integrar o grupo menos favorecido da população. A mobilidade social vista em sete anos (de 2006 a 2012) pode ser apagada em três (2015 a 2017), diz o estudo.
Um esforço muito grande terá que ser feito para reconquistar a confiança dos investidores e colocar a economia de volta nos trilhos. O fundador da consultoria para mercados emergentes EM+BRACE, Robert Abad, com sede na Califórnia, acha que o novo governo terá que começar tudo de novo e provar ao mercado que as políticas econômicas propostas são sólidas, o que levará tempo.
“Foram anos para que o Brasil recebesse grau de investimento das agências de classificação de risco, para que o mercado acreditasse que o milagre estava acontecendo”, diz Abad. Com a crise, o Brasil foi rebaixado pelas três principais agências internacionais (Standard and Poor's, Moody's e Fitch) e perdeu o título de bom pagador, o que afastou os investimentos estrangeiros.
A plataforma econômica apresentada pelo vice-presidente Michel Temer em outubro foi bem recebida pelos mercados financeiros, mas recebeu críticas de sindicalistas. Na Ponte para o Futuro estão previstas reformas, como a previdenciária e trabalhista, e mudanças na Constituição para permitir um corte profundo nos gastos do governo. O documento prevê ainda maior abertura ao capital estrangeiro. O objetivo é criar condições para que o Brasil alcance um desenvolvimento sustentado de 3,5% a 4% ao ano na próxima década, meta desafiadora para uma economia que deve sofrer contração de 3,8% este ano.
Muitos analistas, entretanto, estão cautelosos. “Vai haver uma boa vontade inicial, uma fase de lua de mel. Mas do ponto de vista das ruas, Temer não representa grande mudança. Não sabemos se as manifestações vão parar”, diz o cientista político Anthony Pereira, diretor do King's Brazil Institute, em Londres.
peachment apontou alto índice de rejeição ao líder peemedebista. No grupo contrário a Dilma, 54% dos entrevistados disseram ser favoráveis também ao afastamento de Temer. Entre os apoiadores de Dilma, a porcentagem de descontentes com Temer chega a 79%.
Na visão de Pereira, o que vai acontecer com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também influenciará o futuro do país. “Gostaria de pensar que a esquerda vai assumir calmamente o papel de oposição, mas não é assim que as coisas acontecem. Podemos esperar mais inquietação social”, diz.
Lula, que pode concorrer à presidência nas eleições de 2018, está sendo investigado no âmbito da Operação Lava Jato. Além dele, pelo menos 34 membros da Câmara e do Senado, de diferentes partidos, estão sob investigação. A operação, que está na 28ª fase, não tem data para terminar.
Junto com Dilma, Temer também enfrenta um processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por supostas irregularidades na campanha, o que poderia resultar na invalidação da chapa vencedora nas eleições de 2014 e consequente perda do cargo de vice-presidente.
Com tantas pressões de diferentes lados, analistas acham que o líder peemedebista não conseguirá promover reformas significativas e reativar a economia. “Vejo uma recuperação lenta pois os pilares do crescimento estão ruindo na nossa frente. A previdência social é insustentável, a dívida pública não para de crescer e há uma paralisia no setor produtivo”, afirma o economista Marcos Casarin, da Oxford Economics.
O relatório Fiscal Monitor 2016, publicado em abril pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), prevê que o Brasil não alcançará um superávit primário, no qual a arrecadação é maior do que os gastos, antes de 2020. O FMI estima um déficit primário de 1,7% do PIB este ano, menor que o 1,9% registrado em 2015 (R$ 111 bilhões), o pior da história do país. Esta é a terceira vez seguida que o governo não consegue economizar dinheiro para pagar os credores.
Para Casarin, um dos principais problemas que precisam ser atacados para restaurar o equilíbrio fiscal é a Previdência. A população brasileira mal começou a envelhecer – a idade média do brasileiro em 2015 era 31,1 anos, comparada a 47,5 anos na Alemanha, por exemplo – e os gastos com a Previdência Social já chegam a 44% do total de despesas primárias do governo.
“A taxa de natalidade diminui e a expectativa de vida aumenta rapidamente. É insustentável. É preciso elevar a idade mínima para aposentadoria e mudar a regra de indexação. As aposentadorias não deveriam ser indexadas ao salário mínimo, mas à inflação”, diz.
Os brasileiros se aposentam, em média, aos 55 anos, por tempo de contribuição. Na Alemanha, a idade mínima de aposentadoria é 65 anos.
Para o ex-diretor do Banco Mundial e professor adjunto da Fundação Dom Cabral, Carlos Primo Braga, o Brasil tem muitas vantagens competitivas e não mergulhará numa depressão. “Eu não tenho dúvida de que, aos nos livrarmos da incerteza, aos poucos retomaremos o ritmo de crescimento. Esta não será uma década perdida”, afirma.
O britânico, filho de mãe brasileira, Daniel Hamilton, diretor sênior na consultoria global de negócios FTI Consulting, é mais pessimista. Ele acha que o Brasil nunca será capaz de promover as reformas necessárias ao desenvolvimento enquanto não tiver um número menor de partidos. “Há quase 40 partidos no Brasil. Pelo menos nove deles estavam representados no governo do PT, pedindo favores políticos e concessões aqui e ali. Não importa quem está no poder, pois as políticas resultarão na mesma coisa”, diz. A reforma política, entretanto, está em discussão no Congresso há mais de 20 anos.
Depois de ver tantas oportunidades desperdiçadas ao longo dos anos, Hamilton tem pouca esperança de que o Brasil consiga superar os grandes problemas que sempre impediram que o país decolasse. Perguntado sobre a expectativa dele para o futuro do país, Hamilton cita uma frase atribuída questionavelmente ao líder francês Charles de Gaulle: “O Brasil é a terra do futuro e sempre será”.