A necessidade de se fazer uma revisão na Constituição de 1988 como uma das formas de resolver a crise brasileira encontra eco em representantes de setores da sociedade. A série de reportagens que o jornal O Estado de S. Paulo começou a publicar no domingo (11), sobre os desafios de reconstrução do País mostra como o texto constitucional está na raiz de boa parte dos problemas, sobretudo na questão fiscal.
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Contudo, as eventuais mudanças podem enfrentar entraves se apresentadas ao Congresso.
Deputado constituinte e atualmente ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB) acredita que as normas precisam se ajustar à realidade do País. Ele lembra que a forte descentralização de receitas não correspondeu a uma descentralização de encargos. "É evidente que boa parte do problema fiscal brasileiro surgiu da Constituição de 1988."
Outros problemas, segundo Serra, foram o aumento dos encargos trabalhistas e a concessão de estabilidade no emprego para funcionários públicos que não haviam passado por concurso. Para ele, a Carta padece de um "defeito básico", por ter sido confundida com um programa de governo.
Na avaliação do presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, o debate é importante para jogar luz sobre essa reflexão. Ele destaca que o governo não tem condições de arcar com a carga de responsabilidades colocadas sobre ele. "O Estado tem seus limites. É preciso contar com o apoio do setor privado neste momento." Andrade avalia, entretanto, que o Congresso não está preparado para conduzir essas mudanças.
O recente processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff atrapalha essa retomada e a realização de reformas, na opinião da economista e colunista do jornal O Estado de S. Paulo, Monica de Bolle. Para ela, ainda há uma "ferida aberta após o impeachment" e um "grau de polarização muito grande". "O Congresso ainda está confuso", afirmou.
Na mesma linha, o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, que foi deputado constituinte, disse que promover ajustes na Constituição é uma tarefa muito difícil de ser cumprida com o presidencialismo de coalizão. "Não acredito que o presidente tenha condições políticas, com esse Congresso de 'toma lá, dá cá', de fazer as reformas que se quer no País."
Ele defende a reforma política como a mais importante neste início de governo. Ao mudar a forma como se elege o Congresso, o governo estaria em linha com o sentimento presente nas manifestações de rua e criaria um ambiente melhor para alterar pontos da Carta, segundo Afif. "Se ele não fizer essa conexão com as ruas, a crise vai consumir o governo", alertou.
Na opinião do senador Agripino Maia (DEM-RN), presidente nacional do partido e também senador constituinte, a Constituição não é 'o' problema, mas há problemas que têm de ser pontualmente removidos. "É preferível trabalhar com a eliminação de pontos de sangria", o que, para ele, está em linha com o que vem sendo feito pelo governo de Michel Temer. A segurança institucional proporcionada por esses ajustes, diz o senador, seriam "instrumento de venda" do País para investidores estrangeiros.
As mudanças que venham a ser feitas na Constituição teriam de passar primeiramente por amplo debate da sociedade, a fim de identificar os pontos que devem ser alterados, diz o coordenador do Laboratório de Política e Governo da Unesp, Milton Lahuerta. Para ele, as alterações têm de reforçar o que ele chama de "espírito" da Constituição, ou seja, a ideia de cidadania e a ampliação de direitos de uma boa parte da população que antes se encontrava marginalizada pelo Estado. "A Constituição pode ter excessos, principalmente no que se refere ao papel do Estado, mas ela privilegia a cidadania e aumenta direitos, e exatamente por isso o ideal é seu aperfeiçoamento, mas não sua mutilação."