Articulações suprapartidárias que conduzem a votações por maioria absoluta de votos no Congresso - como a registrada em abril, quando o Legislativo espetou no Executivo, por 360 votos a 2, uma conta que pode passar de R$ 15 bilhões ao derrubar um pacote de vetos pedidos ao Palácio do Planalto pelo Ministério da Fazenda, entre eles, o perdão de dívidas de produtores rurais, o Refis do Funrural, e o projeto que favorecia agentes de saúde - são uma amostra da força dos lobbies cruzados em atividade no Parlamento federal.
A quinta reportagem da série Os donos do Congresso, que o Estado publica desde julho, mostra que 285 políticos participam desse tipo de ação parlamentar, com 215 deles ligados formalmente a pelo menos um setor, 57 integrando duas bancadas diferentes e outros 13 com presença em até três grupos de interesse. As principais bancadas parlamentares reúnem núcleos de políticos que defendem propostas de interesse de servidores (132 parlamentares), da área agropecuária (119), de evangélicos (84) e da segurança (35), todas elas com forte atuação de gabinete, corredor e plenário. Nos registros da Câmara, há cerca de 340 frentes na 55.ª Legislatura, que termina em janeiro.
Apoio
Naquela sessão conjunta de Câmara e Senado de abril passado, com o presidente do Congresso, senador Eunício Oliveira (MDB-CE), no comando da Mesa, o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) defendeu a derrubada dos vetos numa só tacada de painel. Com o plenário cheio, Caiado, um dos líderes ruralistas mais atuantes desde os anos 1990, fez saudação aos servidores públicos e à lei dos agentes comunitários de saúde, que integrava o rol de vetos a serem derrubados. "Precisamos enaltecer a qualidade dos agentes de saúde na Lei Ruth Brilhante", afirmou o senador, justificando o voto "não" também aos vetos do Refis na área rural.
Os agentes comunitários de saúde, por sua vez, também aparecem com representação suprapartidária por meio da Frente Parlamentar em Defesa dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, criada em 2015 sob a coordenação do deputado Raimundo Gomes de Matos (PSDB-CE). O pacote do dia continha ainda veto do governo ao Refis de micros e pequenas empresas (PLC 164), que foi igualmente derrubado.
Para o deputado Carlos Manato (PSL-ES), que está em três relações (agropecuária, servidores e evangélicos) e ajudou no placar contrário aos vetos, as parcerias dependem de "trabalho individual de convencimento dos deputados". Ativo integrante da bancada da Bíblia, Manato confirmou que assinou frentes, além daquela na qual milita preferencialmente, a religiosa.
"O pessoal pede e a gente assina", afirmou. "Mas o nosso foco são temas como aborto, escola sem partido, ideologia de gênero. Aí, sim, a gente trabalha, e vota", disse o deputado. Ele ressalta que um dos assuntos que tem dado maior atenção atualmente é "o debate da escola sem partido".
Sem vínculo
Já para o deputado Lincoln Portela (PR-MG), que também aparece em três grupos (segurança, agropecuária e evangélicos), o fato de um parlamentar ter assinado a criação de uma dessas associações não quer dizer que seja vinculado sempre ao tema. "Eu não tenho nenhum relacionamento com eles e não vou às reuniões", argumentou Portela, comentando a existência de uma das mais organizadas bancadas, a do agronegócio.
O deputado afirmou que trabalha, sim, com colegas nas frentes da segurança pública, dos agentes penitenciários, dos guardas civis e também com o grupo dos evangélicos. E lembrou que já atuou igualmente pela Frente do Combate e Prevenção à Obesidade Infantojuvenil. "Se você pegar as minhas votações, verá que são todas com o trabalhador, nunca contra o trabalhador", disse ele. "Não sou governista, eu voto com o Brasil", afirmou o parlamentar.
Daciolo
Entre os parlamentares que subscrevem pelo menos três frentes está o deputado Cabo Daciolo (Patriota-RJ), que ganhou notoriedade nas redes sociais após participação no debate de candidatos à Presidência da República na TV Bandeirantes, na semana passada.
Integrante da bancada dos servidores, o militar catarinense Benevuto Daciolo, eleito pelo PSOL do Estado do Rio de Janeiro, mas expulso do partido por infidelidade partidária logo no primeiro ano de mandato, em 2015, aparece ainda nas bancadas da bala e da bíblia. As informações são do jornal O Estado de S Paulo.