Análise

Governo Bolsonaro completa 100 dias entre apostas e caneladas

Um dos maiores desafios é estabelecer uma boa relação com o Congresso Nacional

Anna Tenório e Cássio Oliveira
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Anna Tenório e Cássio Oliveira
Publicado em 10/04/2019 às 8:52
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Um dos maiores desafios é estabelecer uma boa relação com o Congresso Nacional - FOTO: Foto: AFP
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Eleito sem acordos tradicionais com políticos e partidos, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) manteve a postura nos 100 primeiros dias de gestão. Agradou o próprio eleitorado assinando, em janeiro, um decreto que facilita o porte de armas e continuou falando diretamente para seus eleitores por meio de perfis nas redes sociais. Acabou, por isso mesmo, mantendo o tom inflamado; foi alvo de protestos pelo País no Carnaval; e agiu em turbulências prematuras com demissão de dois ministros (Secretaria-Geral e Educação). Às vésperas do centésimo dia, o governo também amargou um baque de popularidade, alcançando a rejeição de 32% dos brasileiros segundo pesquisa do Datafolha – divulgada no domingo (7).

É o pior desempenho de presidentes de primeiro mandato desde a redemocratização nos três primeiros meses de gestão.Bolsonaro afirmou que não vai “perder tempo” comentando a pesquisa. Por falar em tempo, o presidente está correndo para consolidar uma base sólida no Congresso, o que ainda não aconteceu. As principais promessas de campanha estão em andamento: a reforma da Previdência e o pacote anticrime, mas o Legislativo já mostrou que joga duro.

De acordo com Rodrigo Prando, cientista político e professor da Universidade Mackenzie, os primeiros dias de um novo mandato tendem a ser agitados “até que as peças se encaixem”. O especialista também apontou como uma das principais falhas do início de gestão o desgaste com o Legislativo, o que pode dificultar o trâmite das pautas do Executivo. Na análise de Prando, a maioria das crises teve origem no próprio governo. “Se duas coisas ele não consegue resolver (reforma da Previdência e pacote anticrime), imagina mais coisas. O governo tem as pautas prioritárias, como a questão do Moro (Sergio, ministro da Justiça). Mas, como o Moro não é político e não sabe fazer política, os políticos já pegaram o pacote anticrime dele, desmontaram e já engavetaram. Então, assim, ou ele (Bolsonaro) começa a se articular para fazer aquilo valer ou também vai ficar perdido na gaveta”, avaliou.

Para Elton Gomes, doutor em ciência política e professor da Faculdade Damas, as crises de início de governo ocorrem porque o presidente tenta montar uma base com o governo já em andamento. “É como trocar o pneu com o carro em movimento. Do ponto de vista da coordenação política, passa ainda por um processo de acomodação. Desde a redemocratização, os presidentes criaram coalizões no tempo da campanha e distribuíram cargos de acordo com o peso de seus aliados e sua representação no Congresso. Como Bolsonaro chegou no governo coligado apenas com o partido de seu vice, Hamílton Mourão, o PRTB, ele precisa montar a base agora”, disse.

Gomes entende que o presidente deve promover, agora, negociações com cargos federais, o que não foi feito com o ministério. Assim, agradaria o eleitorado evitando o toma-lá-dá-cá no primeiro escalão, mas sem deixar de entrar no “jogo” dos caciques partidários. “Bolsonaro rompeu com o mecanismo de barganha que estava instituído. Um ministério é uma importante moeda de troca. Como chegou ao poder sem apoio dos partidos, não se sente obrigado a compensá-los nesse nível. Mas já começaram tratativas para distribuir cargos federais nos Estados. Estes são instrumentos de troca poderosos, com a nomeação de aliados de parlamentares em autarquias ou órgãos federais. Assim, contempla aliados longe do foco. Dizem que ele não está fazendo o jogo, mas me parece que ele quer outra forma de negociação”, comentou.

Sobre as polêmicas do governo, o professor Rodrigo Prando defende que isso impactou a popularidade. “Se isso for uma estratégia do governo, é uma estratégia infeliz. Foi minando a popularidade. Quero crer que isso acontece mais pela improvisação e falta de capacidade e de liderança para fazer política. Porque desviar de um assunto que é sério para publicar um vídeo com, sei lá, duas pessoas urinando uma na outra (caso golden shower, ver gráfico ao lado), isso traz como resultado o que aconteceu: o governo que tinha a possibilidade de ter uma lua de mel, cem dias com uma força política para aprovar o que quisesse, não conseguiu fazer. Governar é dialogar, negociar, construir consenso.”

Nordeste

O governo começou com pouca representatividade nordestina, mas a liderança do governo no Senado ficou a cargo do senador pernambucano Fernando Bezerra Coelho (MDB). E, diante dos arranhões na popularidade, Bolsonaro já planeja iniciar um giro pelo Brasil fazendo a primeira parada em terras nordestinas, na cidades de Campina Grande, no interior da Paraíba. A rota incluiria ainda Manaus (AM), Goiânia (GO) e Rio de Janeiro, onde reside. Sobre o relacionamento do presidente com Pernambuco, as pontes ainda estão sendo formadas.

Para Arthur Leandro, cientista político e professor da UFPE, Pernambuco não tem sido “retaliado” por conta da posição política do governador Paulo Câmara (PSB), que é de um partido de oposição e já fez críticas à reforma da Previdência. Mas também “não há tratamento especial em função de ser um dos principais Estados do Nordeste”, disse.

 

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