Os bastidores da Assembleia Nacional Constituinte – instalada em 1987 para reformular a Carta Magna Brasileira –, as negociações, os impasses, as jogadas políticas e a briga entre grupos de interesse. Todo esse cenário está exposto no filme Constituinte 1987-1988, do cineasta pernambucano Cleonildo Cruz.
O documentário – que será lançado na próxima sexta-feira (30), às 19h, em uma exibição especial no Teatro Eva Hertz, da Livraria Cultura Shopping Riomar – traz depoimentos contundentes de ex-constituintes de peso, como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (à época, no PMDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de vários parlamentares pernambucanos com forte influência nas discussões que permearam a redação da atual Carta Federal, apelidada pelo decano Ulysses Guimarães (PMDB) de “Constituição Cidadã”.
Essa denominação, porém, é contestada por Cleonildo Cruz ao longo do documentário. Passados quase 25 anos da promulgação da Lei Máxima, o diretor colheu depoimentos de ex-constituintes com críticas contundentes ao trabalho realizado, expondo contradições no discurso da chamada ala progressista da Assembleia. A maior mea-culpa é feita por alguns dos protagonistas com relação à participação popular na redação da Carta, que para eles ficou muito aquém do que deveria. Fernando Henrique, Nelson Jobim (PMDB) e Cristovam Buarque (então no PT).
“Os constituintes ouviram a opinião pública, mas não ouviram o povo, os excluídos. No final, a Carta atendeu aos interesses de grupos da sociedade organizada”, critica Buarque, em depoimento ao cineasta. Ainda mais duro, o ex-deputado Nelson Jobim afirma que sequer tratava-se da sociedade civil organizada, mas sim de grupos de interesse organizados, “cada um querendo pegar para si um pedaço do País”.
Segundo Jobim, as chamadas emendas populares – apresentadas à Constituinte pela sociedade, subscritas por mais de um milhão de assinaturas populares cada uma, não eram de autoria do povo, e sim desses grupos de interesse. “Essas assinaturas eram colhidas nas calçadas de Copacabana”, ataca.
O contraponto é feito pelo ex-presidente Lula – deputado federal mais votado daquela legislatura (1987-90). “Eu estive lá e vi a participação da sociedade. Foi uma coisa maluca aquela pressão popular sobre o plenário”, conta. FHC ameniza ao denominar as emendas populares como um “elo” entre a sociedade e os constituintes. Mas mesmo o tucano faz uma mea-culpa quanto a questões que necessitavam ser mais avançadas e não foram por falta de força da ala progressista para enfrentar o Centrão – grupo fortíssimo montado por parlamentares de perfil mais conservador, que não desejavam mudanças profundas no status quo do País.
“Nos embates diários, nós, progressistas, ganhamos quase tudo. Mas perdemos em questões importantes como a reforma agrária”, admite FHC, lembrando que o então presidente José Sarney não dispunha muita força para influenciar nas discussões, mas a partir do surgimento do Centrão, garantiu mais poder de interferência na feitura da Carta, em troca de favores e benesses aos parlamentares, como concessões de rádio e TV e liberação de emendas parlamentares.
Em um depoimento colhido na época e reproduzido na película, o ex-deputado Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA) – um dos líderes do Centrão – é peremptório: “Temos maioria e não abrimos mão de que essa maioria prevaleça”. Logo em seguida, em um tom bem mais comedido, o senador Marco Maciel (PFL-PE) também depõe, defendendo o diálogo entre os blocos oponentes e a criação de mecanismos de consenso “em favor da Carta”.
Coube, porém, ao ex-constituinte José Genoíno (PT-SP) explicar a estratégia dos progressistas para deter as investidas conservadoras do Centrão. “Eles não tinham unanimidade interna com relação a vários assuntos importantes. E nós explorávamos isso. Usamos a tática de dividir para vencer”, diz.
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