HISTÓRIA DAS ELEIÇÕES NO RECIFE

Eleições 1985 no Recife: prévias e acusações de assassinato na primeira votação pós ditadura

Primeira eleição pós-ditadura no Recife teve prévias do PMDB, aliança com a direita e terceira via do PDT

Marcela Balbino e Paulo Veras
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Marcela Balbino e Paulo Veras
Publicado em 18/08/2016 às 7:30
Foto: Reprodução/Arquivo Público de Pernambuco
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Foram necessárias duas décadas após o golpe militar de 1964 para que os recifenses pudessem votar novamente em eleições diretas para prefeito. Incomum, a disputa de 1985 foi marcada por muita curiosidade dos eleitores e pesada troca de acusações entre os candidatos, que viviam o fervor e a tensão da mudança política pela qual passava o Brasil em plena redemocratização.

Ainda era final de 1984 quando Tancredo Neves, mesmo antes de submeter-se ao colégio eleitoral, decidiu apoiar uma emenda constitucional restabelecendo as eleições nas capitais. “No entender dele, as atenções do País se voltariam para essa eleição municipal e ele teria mais tranquilidade para administrar o País e fazer reformas”, conta Jarbas Vasconcelos, então deputado federal pelo PMDB.

Em Brasília, Jarbas teve informações privilegiadas da estratégia de Tancredo e tratou de pavimentar sua candidatura no Recife. A capital havia lhe dado 93 mil votos na última eleição para deputado. Uma das pessoas que ele procurou foi o ex-governador Miguel Arraes, que estava focado no pleito de 1986 e não teria botado fé na aprovação da emenda que restabelecia as eleições municipais. “Quando a eleição veio se consumar, eu já tinha um crédito, porque havia conversado com Arraes. Ele não tinha feito nenhuma objeção (à minha candidatura) porque não acreditava que a emenda seria aprovada”, lembra Jarbas.

Na época, o prefeito Joaquim Francisco também ensaiou uma candidatura. Assim como outros prefeitos biônicos, ele não pôde concorrer porque o gesto era considerado reeleição, que só foi permitida a partir de 2000. Apesar de indicados pelo governador, os prefeitos da época precisavam passar pelo crivo da Assembleia Legislativa, numa eleição indireta. “Depois, fui candidato pelo voto direto e ganhei”, faz questão de lembrar Joaquim, sobre a campanha de 1988.

Em 1985, porém, o apoio de Arraes se mostraria indispensável para que Jarbas vencesse a eleição. Caciques dos respectivos partidos em Pernambuco, como Marco Maciel e Marcos Freire, decidiram reproduzir na eleição do Recife a Aliança Democrática entre o PMDB e o PFL que, naquele ano, elegeu Tancredo e José Sarney no plano federal. Apesar dos vários anos como adversários, foi a união entre os dois partidos que permitiu, no colégio eleitoral, a derrota de Paulo Maluf, apoiado pelos militares.

Em Pernambuco, o PMDB chegou a realizar prévias alguns meses antes da eleição. O racha interno dividiu os “moderados”, que acreditavam na aliança com o PFL, e os “autênticos”, que pregavam uma ruptura com os que eram identificados como aliados dos militares. Inflado pelo comando do partido, Sérgio Murilo, um dos articuladores da Aliança Democrática e nome com trânsito na alta cúpula do PMDB, acabou sendo o vencedor na tensa disputa interna que transbordaria para a campanha oficial.

Para concorrer, Jarbas Vasconcelos acabou migrando, com Miguel Arraes e Pelópidas da Silveira, para o PSB. Ícone do PMDB, ele não só venceria sua primeira eleição para o Executivo por outro partido, como o faria enfrentando diretamente os peemedebistas.

ACUSAÇÃO DE ASSASSINATO

Ex-correligionários, Jarbas Vasconcelos e Sérgio Murilo fizeram daquela eleição para prefeito uma disputa sangrenta, principalmente no guia eleitoral, que virou a arma decisiva da campanha. De um lado e de outro, os deputados se atacaram brutalmente, com acusações graves, polarizando a disputa no Recife. No programa do PMDB, Jarbas era cobrado diversas vezes por não ter votado em Tancredo Neves. Contrário ao Colégio Eleitoral e ressabiado com a aliança com o PFL que levou José Sarney à vice, o pernambucano, que integrava o grupo dos “autênticos”, o núcleo mais à esquerda no PMDB, preferiu não participar da votação. O PT fez o mesmo.

As 26 abstenções não mudariam o resultado final da votação, que deu a Tancredo a vitória sobre Paulo Maluf por 480 votos a 180. A dissidência de membros do PDS, sucessor da Arena, como o do goverandor pernambucano Marco Maciel, foram decisivos para esta vitória. No programa de Sérgio Murilo, um áudio remetia à votação. Quando o nome de Jarbas era chamado, era anunciada sua ausência.

Foto: Reprodução/Arquivo Público de Pernambuco
- Foto: Reprodução/Arquivo Público de Pernambuco
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Foto: Acervo Pessoal de Sérgio Murilo Júnior
- Foto: Acervo Pessoal de Sérgio Murilo Júnior
Foto: Acervo Pessoal de Sérgio Murilo Júnior
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Foto: Acervo JC Imagem
- Foto: Acervo JC Imagem
Foto: Acervo JC Imagem
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Foto: Acervo JC Imagem
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Foto: Acervo Pessoal de Jarbas Vasconcelos
- Foto: Acervo Pessoal de Jarbas Vasconcelos

 

A estratégia era facilitada pela divisão do tempo na propaganda eleitoral. A União do PMDB com o PFL garantia 16 minutos para Murilo. PSB, PCdoB e PTB só davam a Jarbas pouco mais de um minuto. Mesmo assim, os jarbistas reagiram. O episódio decisivo ocorreu na reta final da campanha, quando o então deputado estadual Carlos Lapa foi ao guia eleitoral acusar Sérgio Murilo de assassinato ocorrido em Carpina. Em 1959, ele havia atirado num homem em legítima defesa dentro de um restaurante. O gesto, porém, não impediu os jarbistas de apelidarem o adversário de “assassino de Carpina”.

“No dia seguinte, o Recife amanheceu com panfletos espalhados, muros pichados”, lembra Sérgio Murilo Júnior, filho do ex-deputado, que faleceu em 2010. Para tentar minimizar o estrago, Murilo chegou a levar a viúva da vítima para um comício para confirmar sua versão dos fatos. Líder nas pesquisas, o peemedebista começava a perder apoio.

Na reta final, uma carta supostamente assinada pelo pai de Jarbas, dirigida ao ex-governador Moura Cavalcanti, afirmava que o filho o havia espancado. Ela passou a ser ostensivamente divulgada pelo estafe de Murilo. “Foi uma forma de dar uma resposta a altura”, conta o filho do ex-deputado. “Meu pai, inclusive, foi contra à utilização dessa carta. Mas toda a coordenação de campanha viu ali a única forma de tentar reverter (o cenário)”.

“Porque a gente entrou no submundo de uma campanha? Por causa do pouco tempo. E não é por falta de tempo que você deve entrar nisso. Mas eu não tinha tempo e era esculhambado. Batiam no meu pai, usavam uma carta falsa, as maiores esculhambações”, explica Jarbas, 30 anos depois.

Para Sérgio Murilo Júnior, a campanha de 1985 abalou muito o pai, que deixou a política pouco tempo depois para cuidar da saúde. “Ele nunca foi de guardar rancor. Antes de falecer, nós conversamos sobre isso. E ele disse que não guardava mágoas”, diz.

SURGE UMA TERCEIRA VIA

Em uma eleição que era, ao mesmo tempo, uma novidade, não é de se estranhar que vários partidos tenham tentado entrar na corrida eleitoral de 1985 – incluindo novatos como o PT e o PDT. Um fenômeno que chamou atenção, porém, foi a candidatura do então vereador João Coelho, tida como terceira via, que chegou a ameaçar a posição de Sérgio Murilo nas pesquisas – um movimento até então inédito na política recifense.

“Eu cheguei a acreditar que ganhava a eleição. Porque perder é uma consequência de jogar. Todo mundo diz que se demorasse uma semana, João Coelho estava eleito. Eu estava em uma ascensão muito grande e as pessoas viam que eu não era só um menino”, admite o ex-deputado. “Se falava isso (de terceira via) na época porque é um discurso que agrada a quem está no poder”, brinca.

João Coelho entrou na disputa com 29 anos, no primeiro mandato de vereador e sem dinheiro para campanha. O carro de som era emprestado, o guia eleitoral sem grandes investimentos e as pesquisas eram feitas por estudantes universitários no Centro da cidade. Mas, no momento de mudança nacional, o discurso dele se diferenciava da briga política entre os dois principais candidatos – Jarbas e Sérgio Murilo – pelo viés progressista.

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“A gente discutia a cidade. E lançava propostas como a criação de sub-prefeituras”, lembra. “Nós começamos a discutir propositivamente a cidade. Por isso que um cara que era vereador do Recife, que não tinha base nenhuma, conseguiu ter 22% dos votos”, avalia.

O voto útil não ajudou. Se houvesse previsão de segundo turno em 1985, a eleição daquele ano teria ido para uma segunda etapa. Como não havia, parte do discurso da esquerda na reta final passou a ser “Vote em Jarbas para não eleger Sérgio Murilo”. O principal foco era o eleitorado de João Coelho.

“Eu acordei no dia da eleição com não sei quantas mil pessoas vestindo uma cor só. Foi um negócio meio violento. Eu diria que eu perdi a eleição no dia”, conta hoje o ex-parlamentar, que é pai do candidato à Prefeitura do Recife Daniel Coelho (PSDB). 

“O fato de não ter segundo turno atrapalhou muito. O segundo turno possibilita você aprofundar o discurso, sair da superfície”, lamenta ele, três décadas depois.

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